história
Considerado por muitos o circuito mais difícil do calendário, o místico Grande Prêmio de Mônaco é marcado por grandes corridas, histórias, vencedores e, claro, muito glamour.
Situado em Monte Carlo, capital do Principado de Mônaco, é um dos oito circuitos de rua do calendário atual e sediou sua primeira corrida em 14 de abril de 1929. Na época, fazia parte do Campeonato Europeu (pré-segunda guerra mundial) e foi incorporado à Fórmula 1 em 1950. Naquele ano, Juan Manuel Fangio conquistou a corrida. Desde 1955, o principado esteve regularmente no calendário. O trajeto permanece quase inteiramente fiel ao primeiro construído, a não ser pelos “esses da piscina”, introduzidos em 1973.
Após idas e vindas entre 1929 e 1955, seja por guerras, falta de acordos, mudanças de categorias e outros fatores, o Principado consagrou-se unânime no calendário e recebe corridas de Fórmula 1 há 69 anos (com exceção da temporada de 2020, devido a pandemia do COVID-19.)
curva Antony Noghès: uma homenagem ao criador
Nascido em 1890 em Mônaco, Antony Noghès é o responsável pela criação do GP de Mônaco. Filho de um dos fundadores do Automóvel Clube de Mônaco (ACM), Alexandre Noghès, ele se apaixonou desde cedo por corridas de carro. Seu primeiro grande ato no automobilismo, já na administração da ACM, foi em 1911, quando criou o Rally de Monte Carlo, uma das competições mais tradicionais do mundo.
Fora das pistas, Antony era diretor responsável pela gestão do tabaco no Principado. Com a ascensão monetária, o sucesso do Rally e sua proximidade com a família real (os Grimaldi, até hoje), que sancionou a criação, o monegasco decidiu que era a hora de apresentar o universo automobilístico de Mônaco para o mundo, e inscreveu a ACM na Associação Internacional de Clubes Automotivos Reconhecidos (AIACR) – posteriormente, intitulada Federação Internacional do Automobilismo (FIA) – em 1904, mas o reconhecimento foi negado. A federação argumentava que Mônaco não era propício, já que as corridas do Rally, apesar de carregarem Monte Carlo no nome, não aconteciam somente lá.
Decepcionado, Noghès decidiu que colocaria a mão no “cimento” e iniciaria o projeto por conta própria. Foram dois anos até o término da elaboração do circuito, e, com o apoio de várias personalidades, dentre elas Louis Chiron, considerado por muitos o maior piloto monegasco da história, e René León, administrador da Société des Bains de Mer e financiador do projeto, a AIACR oficializou o reconhecimento da ACM em 1928. O Grande Prêmio de Mônaco receberia sua primeira corrida no ano seguinte, e o resto é história.
A CORRIDA
A geografia da pista é de uma exigência pouco vista nos demais circuitos. As ruas são estreitas, as curvas fechadas, e as mudanças de elevação, por ser um circuito de rua, acentuam a complexidade; além da presença de um túnel.
As velocidades médias são consideravelmente inferiores às demais corridas e, também, é a única a não seguir a distância mínima de 305 km por corrida, determinada pela FIA. A exceção deve-se às características únicas citadas anteriormente, que, em um percurso de 305 km, excederia o tempo máximo de 2h, também determinado pela FIA. São, no entanto, 206 km rodados em 78 voltas.
O Grand Prix é disputado tradicionalmente no fim de maio, fator que deve mudar a partir da temporada 2026, passando para junho; diretriz prevista no contrato que estende a presença da categoria no país até 2031.
O traçado possui 19 curvas e praticamente todas são homenagens a localizações ou personalidades importantes para o principado. Confira algumas:
A curva número um, Sainte-Dévote, faz referência à capela de Sainte-Dévote, localizada atrás do circuito, exatamente naquele ponto, logo após a reta dos boxes. Sainte-Dévote foi um mártir e é considerado o padroeiro do Principado.
A curva quatro passa por um dos pontos turísticos mais visitados, o Cassino de Mônaco, sendo chamada de “Curva do Cassino” ou “Casino Square”. A casa de apostas é sempre um local de encontros de turistas, não somente por ser icônica, mas também por sua curiosa lei que impede cidadãos monegascos de apostarem.
A curva seis é indiscutivelmente a mais icônica do circuito, quiçá da Fórmula 1 como um todo: Hairpin do Grande Hotel. É a curva mais lenta do calendário, com incríveis 65 km/h. Seu nome teve algumas alterações ao longo dos anos, chegou a chamar Loews, antiga proprietária do hotel localizado na parte externa, e, em seus primeiros anos, chamava-se a curva do Gare, em referência à estação de trem que antigamente ficava ali.
A curva nove recebe o simples nome de “túnel”, bem autoexplicativo. Apesar de não ser considerada como uma curva por diversos pilotos graças a seu ângulo aberto, ela entra na listagem oficial e, além disso, é um ponto muito estratégico para os pilotos, visto que a saída do túnel é um dos melhores, talvez o único, pontos de ultrapassagem do trajeto.
As curvas 13, 14, 15 e 16 são os “esses da piscina”. Como citado anteriormente, são as adaptações mais “recentes” (1973), que, originalmente, compunham uma grande reta. O primeiro S foi batizado em homenagem ao, também já citado, ex-piloto de Fórmula 1, Louis Chiron. O monegasco venceu em sua terra natal em 1931, quando ainda não fazia parte da F1; já na categoria, seu melhor resultado em casa foi um terceiro lugar no ano de estreia do GP, 1950.
Por fim, as curvas 18 e 19 chamavam-se Curvas do Gasômetro até 1979, quando, em homenagem à Antony Noghes, que havia falecido no ano anterior, o nome foi modificado.
Atualmente, o circuito também recebe as etapas de Monte Carlo da Fórmula 2 e 3, além da Porsche Supercup.
UNICIDADE
Além da alteração da distância da corrida, o GP de Mônaco tem ainda outras duas exclusividades que o tornam ainda mais especial. É o único onde o pódio, ao invés de ser uma estrutura montada, é realizado no segundo andar do camarote da família real.
O outro diferencial, que hoje já não existe mais, deve-se à realização do TL1 e TL2 na quinta-feira, para que, na sexta-feira, o traçado possa ser liberado para eventos do feriado móvel de Ascensão do Senhor, datado para 40 dias após a Páscoa. Na sexta-feira, até 2022, as ruas eram reabertas, permitindo que os estabelecimentos se preparassem para o fim de semana. A tradição foi encerrada pela FIA devido ao pouco tempo que as equipes teriam para deslocar de Imola até Monte Carlo.
CORRIDAS E MOMENTOS HISTÓRICOS
Depois da tempestade, vem a calmaria – 1988
O ano era 1988, e Ayrton Senna vinha de uma qualificação sensacional, após cravar uma pole position com 1,4 segundo de vantagem sobre Alain Prost, seu companheiro de equipe e grande rival. Durante a corrida, liderava com folga até cometer um erro e bater no guard-rail na curva Portier, causando seu abandono decepcionante. De qualquer forma, a data ainda é muito lembrada por sua volta de classificação, considerada uma das mais impressionantes da história do circuito. A decepção de Senna, que já havia ganhado no Principado, foi substituída por um de seus marcos mais aclamados: ele ganharia as próximas cinco edições da corrida e se consagraria como o Rei de Mônaco.
Senna vs. Prost – 1989
Se tem uma rivalidade que marcou a história da Fórmula 1 desde os anos 80, foi Senna e Prost. E, em Mônaco, essa tensão se reverteu em pura eletricidade nas pistas e entretenimento para o público. Em 1989, Senna largou na pole como havia feito no ano interior e liderou do começo ao fim, com Prost tentando, sem sucesso, alcançá-lo. A vitória consolidou a unanimidade de Senna nas ruas estreitas de Monte Carlo, enquanto a rivalidade interna na McLaren só aumentava, já vindo de grandes tensões da corrida anterior. Mônaco foi palco não só de uma vitória técnica, mas também de um dos vários capítulos emocionantes na história da maior rivalidade da F1.
O Milagre de Panis – 1996
A edição de 1996 foi, talvez, a mais caótica da história. Com muita chuva e condições ruins que resultaram em diversos acidentes e abandonos, apenas 3 carros cruzaram a linha de chegada. Contra todas as probabilidades, Olivier Panis, pilotando uma Ligier, venceu a única corrida de sua carreira na Fórmula 1. O francês largou em 14º e sobreviveu enquanto via todos à sua volta desmoronando. Sua vitória improvável transformou Mônaco num baú de esperanças, e provou que, às vezes, o impossível é possível se o palco for mágico o suficiente.
“Homem de Gelo” – 2006
Em 2006, quando Kimi Räikkönen foi forçado a abandonar o GP de Mônaco devido a problemas elétricos em sua McLaren após um safety car, ele, involuntariamente, deu vida a um de seus momentos mais icônicos. Quando deixou o carro, ao invés de voltar aos boxes como previsto no regulamento, Kimi simplesmente foi direto para seu iate ancorado no porto, tirou o macacão e se deitou no sol com sua bebida na mão. A imagem do finlandês se aproveitando do abandono para relaxar virou um de seus memes mais lembrados, que resume muito sua personalidade fria, irreverente e absolutamente icônica.
A redenção de Daniel Ricciardo – 2018
Daniel Ricciardo chegou a Mônaco em 2018 com o objetivo de exorcizar os fantasmas de 2016, quando perdeu uma vitória quase certa por conta das estratégias da Red Bull, e fez isso no melhor estilo Ricciardo, com muita emoção. Mesmo sofrendo com perda de potência no motor durante a maior parte da corrida, o australiano manteve a pole conquistada no dia anterior com uma pilotagem sólida, defendendo contra Sebastian Vettel que vinha logo atrás. Sua vitória foi aclamada não só pela técnica, mas pela superação. Em um circuito onde ultrapassar é quase impossível, manter-se na liderança enquanto em desvantagem técnica é prova de uma carreira que merece reconhecimento.
A CASA TUA, CHARLES
Em 2024, Mônaco teve, depois de 75 anos, uma celebração digna de sua grandiosidade: pela primeira vez em sua história, o Grande Prêmio de Mônaco foi vencido por um dos seus.
A vitória de Charles Leclerc marca o ponto mais alto de sua carreira, segundo ele mesmo. O monegasco, até então, tinha uma série de resultados ruins naquela pista, o suficiente para o surgimento de artigos elaborando o suposto “Leclerc Home Race Curse”, ou seja, a “praga” que persegue suas corridas em casa.
Mas, enfim, no ano passado, em um final de semana perfeito, ele conquista uma pole espetacular no sábado e converte-a, sem grandes esforços, no domingo.
Este momento ficará para sempre na memória dos monegascos que, finalmente, presenciaram um triunfo local, sentindo-se totalmente representados na pista, Charles Leclerc como metonímia de toda uma nação. E, claro, na memória do jovem piloto, que viu “as mesmas arquibancadas que vira construir todos os anos quando criança, se levantarem para ele”.
Há quem diga que Louis Chiron foi o primeiro monegasco a vencer, em 1931. Porém, como o campeonato oficial de fórmula 1 e, por consequência, o Grande Prêmio de Mônaco, só passaram a existir em 1950, a afirmação pode ser ambígua.
O REI E OS PRÍNCIPES DE MÔNACO
Para os brasileiros, não é novidade que o título de Rei de Mônaco seja exclusividade de Ayrton Senna. O brasileiro é o maior triunfante do circuito, tendo vencido 6 vezes, sendo 5 seguidas, entre 1989 e 1993 pela McLaren. Sua primeira vitória foi em 1987, pela Lotus.
Mas antes dele, Graham Hill era detentor do título. Como já mencionado, o britânico triunfou nas ruas de Mônaco por 5 vezes, em 1963, 1964, 1965, 1968 e 1969. Michael Schumacher também cruzou a linha de chegada em primeiro 5 vezes: 1994 e 1995 pela Benetton e em 1997, 1999 e 2001 pela Ferrari.
Alain Prost é o único com quatro vitórias, de 1984 a 86 e em 1988, todas pela McLaren. A equipe é a que mais brilhou no circuito, isoladamente, com 15 conquistas; porém, já faz 17 anos da última, com Lewis Hamilton.
Falando nele, Hamilton (2008, 2016 e 2019), Nico Rosberg (2013, 2014, 2015), Jackie Stewart (1966, 1971 e 1973) e Stirling Moss (1956, 1960 e 1961) viram a bandeira quadriculada primeiro por 3 vezes.
Além destes, a lista de pilotos que triunfaram uma ou duas vezes é extensa e possui nomes como Max Verstappen (2), Fernando Alonso (2), Juan M. Fangio (2), Niki Lauda (2), Sebastian Vettel (2), Charles Leclerc (1) e tantos outros.
a 75º edição
Em 2025, o Grande Prêmio de Mônaco acontece entre 23 e 25 de maio e pode trazer consigo alertas, troca de posições no campeonato ou até um novo início para alguns.
Em Imola, Max Verstappen levou a melhor, seguido por Lando Norris e Oscar Piastri, que havia largado na pole. O resultado, embora tenha diminuído as distâncias, não mudou o “pódio” do campeonato, liderado por Piastri, com Norris em segundo e Verstappen fechando os três primeiros.
A Ferrari chega de uma qualificatória muito abaixo, caindo no Q2 que ocasionou uma grande recuperação na corrida, terminando em p6 e p4. Caso a equipe não saia do Principado com um bom resultado, um sinal de alerta começa a brilhar mais forte, visto que, até agora, a Scuderia conta com apenas um pódio, uma vitória em sprint, e muitas reclamações sobre o carro por parte dos pilotos. Quando questionado após Imola, Leclerc disse que está sem esperanças para sua home race, apesar de ser o atual campeão.
Ainda nas equipes que brigam por algo, a Mercedes vem decepcionada da última etapa, um um P3 na quali que virou P7 na corrida e um abandono. Nas demais equipes, os olhos em cima de Colapinto e da Alpine, as incertezas sobre Fernando Alonso e Aston Martin, o que resta de fôlego na Williams, e a esperança de uma reação das equipes zeradas ou praticamente zeradas no campeonato se juntam as expectativas que já existem em cima desta corrida tão única.
Neste ano, a edição terá a novidade da obrigatoriedade de, no mínimo, 2 pit stops por piloto. O regulamento foi modificado devido a dificuldade de ultrapassagem na pista.
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O artigo acima foi editado por Rafaela Lima.
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