Junho chegou, trazendo consigo o som das sanfonas, o cheiro de milho cozido no ar e o colorido das bandeirinhas que enfeitam ruas, escolas e praças por todo o país. As festas juninas seguem firmes como uma das manifestações culturais mais queridas do Brasil — celebradas de Norte a Sul com alegria, dança e fartura. Mas, em meio ao forró e às quadrilhas, um novo movimento tem ganhado força, principalmente nos centros urbanos: o de ressignificar essa tradição à luz dos valores sociais contemporâneos.
Diversidade, sustentabilidade, inclusão e representatividade têm sido cada vez mais incorporados aos arraiás, transformando a festa em um espaço não só de celebração, mas também de reflexão e mudança. Hoje, não basta comemorar: é preciso comemorar com propósito. Neste artigo, exploramos como diferentes festas juninas pelo país estão se reinventando para manter viva a tradição, sem deixar de lado os debates urgentes do presente.
festas juninas veganas
Com o avanço das pautas ambientais, de saúde e de direitos animais, o veganismo tem conquistado cada vez mais espaço — inclusive nos arraiás. Um exemplo disso é a Festa Junina Vegana da Vegnice, realizada desde 2013 em São Paulo, que reúne milhares de pessoas em busca de uma celebração mais ética e sustentável.
Em 2025, o evento acontece todos os domingos de junho, das 11h às 20h, na Rua Augusta, 935, próximo ao metrô Consolação. Lá, é possível encontrar pratos típicos adaptados, como arroz-doce com leite de coco, pamonha sem leite, curau com açúcar mascavo e até hot dog com salsicha vegetal. Além da gastronomia, o arraiá arrecada ração para animais resgatados, promove oficinas e comercializa produtos de pequenos empreendedores veganos. É a prova de que é possível manter a essência da festa sem abrir mão dos princípios.
Iniciativas como essa mostram a força da cultura alimentar como agente de transformação. Em tempos de crise climática e discussões sobre o impacto da indústria da carne, adaptar tradições ao presente é um gesto de respeito com o futuro.
arraiás lgbtqiapn+ celebram o orgulho e a diversidade
Junho também é o Mês do Orgulho LGBTQIAPN+, e diversas festas juninas têm unido as bandeirinhas caipiras às bandeiras coloridas da diversidade. Um exemplo marcante foi o Boa Vista Junina, que em sua edição de 2023 incluiu pela primeira vez uma programação voltada à comunidade LGBTQIAPN+, com apresentações drag, quadrilhas inclusivas e espetáculos teatrais que celebravam a pluralidade de identidades e expressões de gênero. Em 2025, o evento aconteceu entre os dias 3 a 8 de junho, na Praça Fábio Marques Paracat, e ainda que a programação deste ano não tenha a mesma ênfase da edição anterior, o impacto da iniciativa permanece como referência para outras festas.
Outro destaque é o tradicional Arraiá da Diversidade, no Rio de Janeiro. Realizado na Lapa, o evento reúne quadrilhas inclusivas, DJs LGBTQIAPN+, apresentações de forró com casais diversos e performances artísticas que celebram o orgulho de ser quem se é. Mais do que uma festa, o arraiá se firmou como um ato de ocupação e resistência, onde a cultura popular se encontra com a luta por direitos e visibilidade.
Esses arraiais não apenas acolhem: eles transformam estruturas historicamente excludentes da cultura junina. Por muito tempo, os festejos de junho reforçaram papéis de gênero rígidos e casais heteronormativos, como no tradicional “casamento na roça”. Hoje, vemos casamentos simbólicos entre pessoas do mesmo gênero, danças livres de papéis fixos e muito espaço para a expressão criativa e afetiva.
A presença ativa da comunidade LGBTQIAPN+ nas festas juninas revela como a cultura popular pode — e deve — ser um espaço de inclusão. Em tempos marcados por retrocessos e discursos de ódio, ocupar esses espaços com orgulho é uma forma potente de resistência, pertencimento e celebração da vida em todas as suas formas.
diversidade racial e regional nas festas juninas
As festas juninas sempre foram reflexos da cultura popular brasileira, mas por muito tempo negligenciaram as raízes negras e indígenas que ajudaram a construir essa tradição. Felizmente, isso vem mudando. O Mossoró Cidade Junina, no Rio Grande do Norte, realizado desde 1997, valoriza personagens históricos e saberes regionais que celebram a resistência nordestina e afro-brasileira.
A edição de 2025 será realizada de 7 a 28 de junho, no Corredor Cultural de Mossoró. A programação resgata memórias coletivas e amplia o sentimento de pertencimento entre comunidades historicamente invisibilizadas pelas grandes festas comerciais.
Valorizar essas raízes é também um ato educativo e de combate ao racismo estrutural por meio da cultura. É importante lembrar que o São João não nasceu “limpo” e “pasteurizado”, mas sim da rica mistura entre indígenas, negros e sertanejos.
acessibilidade no arraiá
Em um momento em que a acessibilidade deve ser prioridade, algumas festas juninas têm se destacado. A Festa Junina da Adevirp (Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e Região), Arraiá Adevirp, em Ribeirão Preto, por exemplo, inovou em 2024 com um correio elegante em braille e estrutura adaptada para pessoas com deficiência visual. Em 2025, o evento ocorreu no dia 13 de junho, na Rua Manoel Achê, com entrada a R$10.
Outro destaque é a Festa Viva+ de Votorantim (SP), que pensou em cada detalhe: haverá “Hora do Silêncio” para pessoas no espectro autista e atividades voltadas a grupos assistidos por instituições como a APAE. A festa ocorreu durante 28 de maio a 22 de junho, com entrada a R$5.
Essas ações mostram que a festa fica ainda mais bonita quando é para todxs. Garantir acessibilidade é transformar tradições em experiências verdadeiramente democráticas.
celebrar com propósito: o futuro das festas juninas
Mais do que uma simples comemoração, as festas juninas vêm se consolidando como espaços de transformação social, onde tradições se encontram com os valores e desafios do presente. Ao incorporar pautas como veganismo, diversidade sexual e de gênero, justiça racial e acessibilidade, os arraiais urbanos mostram que é possível honrar a cultura popular sem repetir exclusões ou silenciar vozes.
Essa ressignificação não enfraquece a festa — pelo contrário, fortalece seu significado, tornando-a mais rica, plural e acolhedora. Afinal, manter viva uma tradição não significa conservá-la intocada, mas permitir que ela se atualize, dialogue com o tempo e represente a sociedade em toda a sua complexidade.
Neste São João, que a dança da quadrilha seja também uma dança de respeito, escuta e transformação. Porque celebrar, sim — mas sempre com consciência, inclusão e propósito.
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O artigo acima foi editado por Mariana Camargo Aguiar.
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