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Casper Libero | Culture

Ocupar é resistir: Teatro de Contêiner Mungunzá enfrenta despejo

Ana Azeredo Student Contributor, Casper Libero University
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter and does not reflect the views of Her Campus.

O Teatro de Contêiner Mungunzá é um espaço dedicado à cultura e trabalhos sociais, localizado no centro da cidade de São Paulo.  Afasta-se da ideia de “um teatro comum”, e hoje em dia é habitado por muitas linguagens, coletivos, movimentos e grupos. É um local onde se experimentam relações mais horizontais dentro do fazer artístico e da produção cultural.

O espaço tem como filosofia a conexão com seu entorno, buscando o bem-estar social comunitário e ressignificando as relações humanas dentro de um território marcado pela vulnerabilidade social.

A construção do teatro, iniciada em 2016, começou do mapeamento de áreas ociosas na cidade, com o objetivo de construir, com recursos próprios (dinheiro guardado durante 9 anos de grupo), uma sede teatral que funcionaria como espaço cultural e social. Diante do terreno público em desuso, localizado no bairro da Santa Ifigênia/Luz, o grupo identificou potencial para a construção do projeto, principalmente por conta da importância histórica da região.

Além disso, o local engloba a estação de trem da Luz, e concentra, ao mesmo tempo, importantes espaços culturais como o Museu da Língua Portuguesa, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, a Sala São Paulo, e também e abriga a conhecida zona de venda e de consumo de drogas chamada de Cracolândia.

Depois de muitas devolutivas negativas por parte da prefeitura municipal para a utilização do terreno, sempre defendendo-se nas burocracias e na morosidade dos processos legais, foi enviado à Subprefeitura Regional da Sé e para à Secretaria Municipal de Cultura um ofício solicitando o uso do terreno pelo período de apenas dois meses (outubro e novembro de 2016). A solicitação dizia respeito à produção de um evento cultural intitulado “Arquiteturando a Cidade”, que aconteceria naquele local.

A inauguração oficial aconteceu em março de 2017 e desde então o Teatro de Contêiner promove e articula ações e programações culturais e sociais.

Desocupação: violência disfarçada de burocracia

Dia 28 de maio, o Teatro de Contêiner Mungunzá foi surpreendido com uma notificação extrajudicial que exige a desocupação do terreno em até quinze dias, com a justificativa de construção de um hub de moradia social.

A notificação foi realizada quinze dias após o desaparecimento do fluxo de usuários e de pessoas em situação de rua que ocupavam a área da cracolândia, o que soa irônico e demonstra a disputa por espaços por parte da prefeitura, com um sutil toque higienista.


Em nota, a gestão Ricardo Nunes (MDB) disse que convidou os representantes do teatro para uma reunião, a fim de discutir propostas de imóveis para os quais o grupo poderia ser transferido. Tal atitude reflete o desconhecimento por parte da prefeitura da importância do teatro em um ambiente de extrema vulnerabilidade, assim como a negligência ao com o investimento cultural, tendo em vista que a Companhia Mungunzá é culturalmente sólida e se mostra presente na região, incluindo espaços esportivos para as crianças e abrigo de coletivos sociais invisibilizados pelo poder público.

Um dos coletivos que o local abriga é o “Tem Sentimento”- que oferece oficinas de costura, bordado, crochê e outras atividades artesanais para a geração de renda de mulheres. Uma das responsáveis pelo coletivo diz conhecer pessoalmente as mulheres com as quais oferece amparo, e destaca que o espaço no qual o teatro está inserido é parte do sucesso do projeto, auxiliando diretamente as mulheres que sonham com sua autonomia financeira.

O coletivo, que atende 75 mulheres, foi o primeiro a receber uma indicação de despejo pela Secretaria de Direitos Humanos, que, em abril, apresentou outro local para sediá-lo: uma sala em um prédio na Rua Maria Borba, na Consolação, região nobre de São Paulo, destacando a eficiência municipal em demonstrar ironia com os moradores, que obviamente não se reconheceriam em uma região como essa, e muito menos alcançariam reconhecimento por empresários ocupados da Avenida Paulista. Sendo assim, o pedido foi negado pela entidade.

Desde esse momento, O Teatro de Contêiner Mungunzá resiste!

ARTIGO 19

A ARTIGO 19 é uma organização não governamental de direitos humanos nascida em 1987, em Londres, com a missão de defender e promover o direito à liberdade de expressão e de acesso à informação em todo o mundo. Seu nome tem origem no 19º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.

Com base em valores como integridade e transparência, a Artigo 19 demonstrou apoio ao Teatro assim como à a sua escolha de resistir. A organização alega que o despejo, em uma cidade com inúmeros terrenos ociosos – inclusive na mesma região em que o teatro se encontra -, se mostra como uma estratégia política de enfraquecimento de políticas sociais e culturais e de iniciativas que provém potentes ações de arte no país, além de promoverem cuidado, diálogo e transformação social para uma população marginalizada.

Em nota, pedem a revogação do despejo e requerem esclarecimento por parte da prefeitura por meio da atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), requerendo que a Comissão solicite explicações e informações do Estado brasileiro, em seus distintos níveis, a respeito de como será garantida a manutenção das atividades do Teatro e dos demais coletivos que necessitam deste espaço para defender direitos da população em situação de rua e vulnerabilidade no centro de São Paulo.

“É nesse sentido que a ARTIGO 19 Brasil e América do Sul se manifesta contra a desocupação do Teatro de Contêiner, por essa decisão representar não apenas uma ameaça iminente ao direito à liberdade artística e de expressão, mas também à atuação de defensoras e defensores de direitos humanos, artistas e ativistas que desenvolvem, há anos, um trabalho voltado à defesa dos direitos culturais, do direito à cidade, da vida, da integridade física e da saúde da população em situação de rua e em contexto de uso de drogas na região da Cracolândia.”

Artigo 19

OCUPAR É RESISTIR!

Tendo em vista a enorme importância que o Teatro Mungunzá desempenha na região onde está localizado, a ordem de desocupação é, no mínimo, questionável e escancara atitudes de uma prefeitura notoriamente elitista, que diz prezar pela moradia e bem-estar públicos, mas recorrentemente exclui os mais vulneráveis e reduz arte e cultura à desocupação.

Portanto, ocupar é resistir. Resistir ao assistencialismo, resistir a à falsa governabilidade, resistir à marginalização. Em paráfrase à Cia Mungunzá: O Teatro é vivo, mutável e abre caminhos: é arte, é saúde, é defesa dos direitos humanos, é assistência social, lazer, educação, geração de renda, moradia.

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O artigo acima foi editado por Sophia Claro.

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Ana Azeredo

Casper Libero '29

Nascida no interior de São Paulo,em uma cidade conhecida pelos bons ares, me mudei para a capital há pouco tempo com o intuito de vivenciar a carreira de jornalista, e sigo como paulistana desde então.
A vida no interior me proporcionou experiências de tranquilidade que eu acredito que sejam inexistentes no local mais sereno de São Paulo, mas o constante movimento de pessoas e informações é estranhamente cativante, me sinto assistindo a uma exposição de arte a céu aberto, talvez circundada por ares demasiadamente poluídos, mas a cultura aqui é, de fato, viva e presente.
O caos e a diversidade da cidade resumem meus maiores interesses profissionais, como política, cultura e entretenimento.
Pessoalmente, a escrita me traz pertencimento e repertório em âmbito social, afinal, a comunicação influencia diretamente na maneira como vemos o mundo e reagimos a ele. Sendo assim, minhas vivências se resumem a diferentes formas de comunicação, como filmes, fotos e músicas que me acolhem e marcam cada momento.
Nas reuniões escolares, meus pais ouviam frases prontas como, "ela é boa, mas fala bastante", tais apontamentos poderiam ter me trazido malefícios, mas hoje em dia, diante da crescente desinformação, querer me comunicar e absorver informações corretamente propicia clareza a uma esfera social, majoritariamente, turva.
Acredito também que o dinamismo presente no diálogo entre escritor e leitor é transformador e nós somos, de fato, metamorfoses ambulantes.