A data, anteriormente denominada “Dia do Índio”, foi criada em 1943 pelo indigenista brasileiro Marechal Rondon influenciado pelo Congresso Indigenista Interamericano, realizado, no México, em 1940. O Congresso tinha como objetivo estudar a situação dos povos indígenas no continente americano e criar as diretrizes necessárias para a preservação dos povos originários e suas tradições.
No dia 8 de julho de 2022, essa data passou a ser chamada de “Dia dos Povos Originários”, graças ao Projeto de Lei 5466/19, da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), aprovado pela Câmara dos Deputados. A razão da mudança é ressaltar de forma simbólica a pluralidade dos povos brasileiros e não resumi-los a um estereótipo.
Contudo, apesar dos direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, os povos indígenas permanecem sendo injustiçados e feridos. Um dos principais exemplos é o marco temporal, alternativa contrária à demarcação de terras.
O que é o marco temporal?
O marco temporal é uma tese jurídica criada pelo Supremo Tribunal Federal, STF, em 2009, que estabelece que os povos indígenas só têm direito aos territórios que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição que defende a demarcação das terras. As consequências? Infinitas.
Segundo Rafael Modesto dos Santos, advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), as comunidades indígenas e indigenistas sempre tiveram problema com os principais setores da economia, como o agronegócio, que costumam votar para a não aprovação de projetos em prol dos povos originários.
“Estamos lidando com questões sobre terra. Terra, no Brasil, sempre foi concentrada na mão de muito poucas oligarquias e representantes da sociedade mais abastada. A terra sempre foi usada para especulação. Desde sempre foi assim e hoje em dia não é diferente”, expõe Rafael.
Em busca de terras, setores como agronegócio, mineração e petrolífero, são em prol do marco temporal. Eles submetem os povos indígenas a situações violentas, expulsando-os de suas terras à força, como explica Rafael, “O marco temporal é o impedimento para demarcação, todas as terras que não foram demarcadas até hoje é consequência da expulsão da comunidade indígena até 88. O que quero dizer é o seguinte: se ocupava a terra em 1988, tem direito à demarcação; se não ocupava, não tem direito à demarcação. Mas como que poderiam estar ocupando as áreas em 88, se tinham sido expulsas sob julgo de muita violência?”
Como é feita a demarcação das terras?
De acordo com a Funai, Fundação Nacional do Índio, a demarcação das terras é uma competência exclusiva do Poder Executivo, conforme a Constituição Federal, pois se trata de processo meramente administrativo.
De forma mais detalhada, o ISA, Instituto SocioAmbiental, divide esse processo em sete fases:
Estudos de Identificação: A Funai nomeia um profissional para elaborar o estudo antropológico e coordenar os trabalhos do grupo técnico especializado responsável pela identificação da Terra Indígena (TI) em questão.
Aprovação da Funai: O relatório do estudo antropológico deve ser aprovado pela presidência da Funai, que, no prazo de 15 dias, providenciará sua publicação oficial.
Contestações: Após a publicação do relatório, as partes interessadas têm até 90 dias para apresentar manifestações e contestações.
Declaração dos Limites: O Ministro da Justiça tem um prazo de 30 dias para declarar os limites da área e determinar sua demarcação física, ou desaprovar a identificação.
Demarcação Física: Com os limites declarados, a Funai promove a demarcação física da área.
Homologação: O procedimento de demarcação é então submetido à presidência da República, que poderá homologá-lo por meio de decreto.
Registro: Após a homologação, a terra deverá ser registrada, no prazo de até 30 dias, no cartório de imóveis da comarca correspondente e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Entretanto, conforme aponta Rafael Modesto, há algumas dificuldades acerca da demarcação de terras. Uma delas é a negligência governamental, “O fato do Supremo não conseguir definir rapidamente uma interpretação para o texto constitucional e declarar o marco temporal inconstitucional de uma vez por todas, e, por outro lado, o Poder Executivo ser omisso em relação à proteção dos territórios, sendo que este é um direito assegurado. Caso não esteja demarcado, o Estado tem a obrigação de fiscalizar e proteger contra invasores, depredação, crimes ambientais, caça e pesca ilegais… isso só demonstra que o Estado é omisso e inoperante.”, conclui Rafael.
Outro problema citado pelo advogado, relacionado à inoperância do Estado, é a falta de estrutura adequada da FUNAI para garantir as demarcações. “A FUNAI não tem condição, não tem previsão orçamentária suficiente e não tem servidor suficiente. Não tem quadros, não tem funcionários, servidores em número suficiente para dar conta das demandas sobre demarcação de terra” .
Outra dificuldade é a dependência desses povos em relação às organizações indígenas indigenistas para conseguirem seus direitos e ressalvas levadas ao Estado. Essas organizações, muitas vezes, se responsabilizam por levar políticas públicas para populações nativas, o que prejudica povos indígenas que vivem em regiões muito distantes.
No final, além desses impasses, a decisão pode não condizer com o que afirma as cláusulas da Constituição. “E aí fica muito à critério dos juízes decidirem se a terra é indígena, ou se a terra pertence ao proprietário por ele ter um título de propriedade. Mesmo tendo previsão no texto da Constituição que esse título é nulo, que é o parágrafo 6231”, afirma Rafael.
Etnocídio indígena e a importância da demarcação
O direito à terra é fundamental para a existência, autonomia e perpetuação dos povos originários no Brasil. A não demarcação desses territórios compromete não apenas sua sobrevivência física, mas também ameaça a preservação de suas culturas.
Rafael explica que esse é um direito constitucional dos indígenas, “O direito fundamental ao território, direito humano é uma cláusula pétrea e o território para os indígenas é onde tudo se reproduz inclusive as culturas, as crenças, tradições, os ritos, os mitos. Então, sem o território, você provavelmente estaria cometendo um etnocídio. Sem o território não se reproduzem os sistemas culturais dos povos indígenas.”
Logo, o dia dos povos indígenas não simboliza apenas a celebração da cultura originária brasileira, e sim a luta diária pela existência e sobrevivência.
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O artigo abaixo editado por Marcele Dias.
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