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Casper Libero | Culture

Catalunha e FC Barcelona: Como um time de futebol reafirma uma nação

Maria Eduarda Barreira Student Contributor, Casper Libero University
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter and does not reflect the views of Her Campus.

Puyol, Xavi Hernandez, Neymar, Ronaldinho Gaúcho, Iniesta, Messi, entre vários outros ídolos do FC Barcelona, já falaram a mesma frase: “Visca Barça y Visca Cataluña”, que em tradução literal significa, “Viva Barça e Viva Catalunha”. A expressão ilustra muito bem a íntima relação entre o clube e a nação catalã, uma das 17 regiões autônomas da Espanha, que é desde sua formação um território extremamente fragmentado. 

Resistência Catalã

Antes de começar, é preciso frisar o modo como denominamos o movimento. De acordo com o Presidente da Associação Cultural Catalonia, Rodrigo Penna, “Caracterizam esse movimento como um movimento separatista, para muita gente é a mesma coisa, mas no fundo não é…Quando uma região quer a sua independência, o povo quer sua independência cultural, social e econômica.

A formação do estado espanhol como conhecemos hoje em dia, é fruto de anos de invasões, reconciliações e guerras. O último conflito terminou em 1714, e é chamada de “Guerra da Sucessão” que consumou a derrota de dois estados, Valência e a própria Catalunha. Essa “primeira dominação” durou até 1931, quando o governo Catalão tomou o governo para si novamente. 

O governo catalão instaurado durou apenas 4 anos, e em 1936, durante a guerra civil espanhola, o ditador espanhol Francisco Franco tomou o poder. Durante o período ditatorial, o regime buscava centralizar e defender a Espanha como um estado só, e para conseguir isso Franco, acabou com o governo da Catalunha e os proibiu de falar catalão e de disseminar sua cultura. As marcas dessa censura permanecem até hoje, a população mais antiga vive um déficit educacional intenso, pois sabem falar catalão, mas não conseguem escrever.

Os planos do ditador para acabar com toda a identidade de uma nação, visando seu o extermínio dela, não deram certo e movimentos de resistência foram criados e permanecem ativos para defender a região. 

Catalunha hoje em dia

O nome nação foi atribuído para a Catalunha no Estatuto da Autonomia de 2006, pelo tribunal constitucional espanhol, formalizando assim um governo autônomo subordinado ao governo da Espanha. No entanto, isso quase mudou em 2017, com o referendo de independência que questionou se o povo catalão tinha mesmo o desejo de se tornar independente, e o resultado? Como se esperava, positivo! Mas não tão positivo para todos, o governo espanhol considerou o ato inconstitucional, e rapidamente extinguiu uma declaração de independência feita no mesmo ano. 

Segundo Rodrigo o referendo de 2017 teve um amplo destaque internacional. “Na época, em conjunto com o governo catalão, a organização “Diplocat” – conselho de Diplomacia Pública da Catalunha – conseguia, discretamente, contatos com representantes de governo de outros países…havia uma troca de informações e propaganda do que acontecia na Catalunha firmando assim alianças internacionais e conseguindo a atenção da imprensa mundial”.

Entidades, representantes, sites catalães e até cidadãos pró-referendo foram duramente repreendidos causando diversas manifestações e críticas por parte do povo. Atualmente, o cenário político catalão mudou consideravelmente, como afirma Penna. “O governo catalão hoje é um governo alinhado ao governo espanhol, temos um partido – o PSC- além de um presidente, Salvador Ilha“.

Hoje na Catalunha, em um campo independentista, faltam novas lideranças, o movimento carece de uma liderança forte, como havia até 2020, uma unidade e até também de coragem. Para isso existem entidades, como a própria ANC, assembleia nacional catalã, que tem papel fundamental no movimento”

– Rodrigo Penna

Por que a Catalunha não se separa da Espanha?

Essa pergunta é feita há anos, e por si só é bem complexa. O Presidente da Associação Cultural da Catalonia tentou responder esse questionamento em uma conversa para a HC.

O entrevistado citou os dois principais motivos para a não separação, divergências de opinião entre o povo e um certo nível de desorganização política dentro do movimento. “Para isso precisa-se de uma ampla base popular, quem decide é o povo… há ainda uma disputa entre os próprios partidos independentistas”.

Segundo o mesmo, quando questionado se a independência da Catalunha teria mais benefícios ou malefícios para o povo, ele afirma,com certeza, que a mudança traria mais benefícios.“O governo capta e faz a distribuição para as comunidades autônomas, e quem é a comunidade autônoma na Espanha que mais contribui e menos arrecada na volta? A Catalunha. Aqui você tem um argumento econômico, esteja você a favor ou não da independência catalã, irrefutável”.

Sobre se o sentimento de independência catalão ficou menos ávido, Rodrigo acredita que houve uma desmobilização, mas o sentimento permanece. A parcela favorável à independência catalã não possui motivos para mudar seu posicionamento. Trazendo uma análise do efeito da Pandemia de COVID – 19, o presidente acredita que neste âmbito, trouxe aspectos muito negativos com todas as restrições dessa época. 

Citando o atual governo catalão, Rodrigo pontua a diferença entre o povo e o governo. “Você pode até ter uma maioria a favor da independência, mas você tem um governo claramente contra. Este governo não vai agir nessa direção….talvez nas próximas eleições, se o povo decidir a favor da volta dos independentista, aí sim podemos ter um novo momento crítico pro estado espanhol e de empoderamento social na Catalunha”.

Houve uma desmobilização, mas o sentimento permanece. Quando houver uma unidade política e uma clara vontade do povo de se rebelar a favor da independência, no momento que existir uma união entre estes dois e um povo forte e capaz de motivar o governo, aí sim teremos um contexto bem diferente do atual”

– Rodrigo Penna

Surgimento do FC Barcelona

Segundo Penna, “Enquanto muitos países têm representações diferentes de embaixadores, como empresas, pessoas ou entidades, a Catalunha tem no Barça um de seus legítimos e fortes embaixadores”.

A história do clube começa em 1899, de uma maneira bem incomum. Quando Hans Gamper, seu fundador, chegou  à capital catalã e decidiu realizar um anúncio dentro de uma revista esportiva. Gamper buscava jogadores dispostos a formar um time de futebol, que mais tarde se tornaria um dos clubes mais icônicos da história do futebol mundial. 

Como agradecimento à  nação por ter te recebido tão bem, ele decidiu firmar como princípio do time o vínculo com a identidade catalã. Essa conexão é tão importante, que está na língua oficial do time, o catalão, e no escudo do time. Na parte direita há a bandeira da Catalunha e na parte esquerda, a bandeira da cidade de Barcelona, já mais abaixo, está representada as cores do clube e uma bola, mostrando assim, que apesar de ser um clube multiesportivo, sua paixão nasceu mesmo no futebol.

O primeiro campeonato conquistado foi o campeonato catalão, em 1902, e desde então não pararam mais de arrecadar títulos. O Barça foi campeão de 28 la ligas, o campeonato espanhol, 32 copas del rey, 5 Champions league, entre outros milhares de títulos, ecoando assim o legado de um dos maiores e mais autênticos times espanhóis. 

FC Barcelona e o regime franquista  

O FC Barcelona como um dos maiores símbolos catalães, também sofreu durante a Guerra Civil seguida pela ditadura. O time perdeu o seu fundador, que se suicidou em 1930, e seu presidente, Josep Suñol, ativista pela causa catalã, assassinado pelas tropas franquistas em 1936 – e que logo depois virou presidente mártir do clube. 

Os anos seguintes não poderiam ter sido piores, jogadores exilados, mudanças no brasão e no nome, e presidentes previamente escolhidos pelo regime levaram o clube a uma época vitoriosa, mas sem a essência norteadora que fundaram o time. Após a guerra civil, diversos problemas surgiram e até uma bomba destruiu a sede do clube – e não, você não leu errado, a sede foi mesmo destruída – mas começou a se reerguer aos poucos, ganhando títulos e conseguindo de volta a bandeira catalã em seu escudo.

Importante lembrar de que durante a censura a tudo o que era catalão para o regime, o estádio do FC Barcelona, Camp Nou, serviu como uma verdadeira casa para a nação. O estádio se tornou um lugar onde o povo catalão podia se sentir seguro e falar sua própria língua sem ser proibido, aumentando assim os estreitos laços afetivos entre o clube e o povo catalão. 

Na foto acima, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, Johan Cruyff, aparece confrontando franquistas, representando uma face não vista do jogador, a face de ativista contra os horrores ditatoriais  

Não existe FC Barcelona sem Catalunha assim como não existe Catalunha sem FC Barcelona, por isso a bandeira da Catalunha estampa a braçadeira de capitão do time. Por meio do esporte, o clube passou e passa para o mundo inteiro o sonho da liberdade de uma nação, e espero que enquanto ele exista espalhe o seu lema “Més que un club”, traduzindo, “Mais que um clube”, por onde o seu futebol passar, para honrar e representar o legado daqueles lutaram pela emancipação de toda uma cultura que tentaram apagar. 

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The article above was edited by Malu Alcântara.

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