Puyol, Xavi Hernandez, Neymar, Ronaldinho Gaúcho, Iniesta, Messi, entre vários outros ídolos do FC Barcelona, já falaram a mesma frase: “Visca Barça y Visca Cataluña”, que em tradução literal significa, “Viva Barça e Viva Catalunha”. A expressão ilustra muito bem a íntima relação entre o clube e a nação catalã, uma das 17 regiões autônomas da Espanha, que é desde sua formação um território extremamente fragmentado.
Resistência Catalã
Antes de começar, é preciso frisar o modo como denominamos o movimento. De acordo com o Presidente da Associação Cultural Catalonia, Rodrigo Penna, “Caracterizam esse movimento como um movimento separatista, para muita gente é a mesma coisa, mas no fundo não é…Quando uma região quer a sua independência, o povo quer sua independência cultural, social e econômica.”
A formação do estado espanhol como conhecemos hoje em dia, é fruto de anos de invasões, reconciliações e guerras. O último conflito terminou em 1714, e é chamada de “Guerra da Sucessão” que consumou a derrota de dois estados, Valência e a própria Catalunha. Essa “primeira dominação” durou até 1931, quando o governo Catalão tomou o governo para si novamente.
O governo catalão instaurado durou apenas 4 anos, e em 1936, durante a guerra civil espanhola, o ditador espanhol Francisco Franco tomou o poder. Durante o período ditatorial, o regime buscava centralizar e defender a Espanha como um estado só, e para conseguir isso Franco, acabou com o governo da Catalunha e os proibiu de falar catalão e de disseminar sua cultura. As marcas dessa censura permanecem até hoje, a população mais antiga vive um déficit educacional intenso, pois sabem falar catalão, mas não conseguem escrever.
Os planos do ditador para acabar com toda a identidade de uma nação, visando seu o extermínio dela, não deram certo e movimentos de resistência foram criados e permanecem ativos para defender a região.
Catalunha hoje em dia
O nome nação foi atribuído para a Catalunha no Estatuto da Autonomia de 2006, pelo tribunal constitucional espanhol, formalizando assim um governo autônomo subordinado ao governo da Espanha. No entanto, isso quase mudou em 2017, com o referendo de independência que questionou se o povo catalão tinha mesmo o desejo de se tornar independente, e o resultado? Como se esperava, positivo! Mas não tão positivo para todos, o governo espanhol considerou o ato inconstitucional, e rapidamente extinguiu uma declaração de independência feita no mesmo ano.
Segundo Rodrigo o referendo de 2017 teve um amplo destaque internacional. “Na época, em conjunto com o governo catalão, a organização “Diplocat” – conselho de Diplomacia Pública da Catalunha – conseguia, discretamente, contatos com representantes de governo de outros países…havia uma troca de informações e propaganda do que acontecia na Catalunha firmando assim alianças internacionais e conseguindo a atenção da imprensa mundial”.
Entidades, representantes, sites catalães e até cidadãos pró-referendo foram duramente repreendidos causando diversas manifestações e críticas por parte do povo. Atualmente, o cenário político catalão mudou consideravelmente, como afirma Penna. “O governo catalão hoje é um governo alinhado ao governo espanhol, temos um partido – o PSC- além de um presidente, Salvador Ilha“.
Hoje na Catalunha, em um campo independentista, faltam novas lideranças, o movimento carece de uma liderança forte, como havia até 2020, uma unidade e até também de coragem. Para isso existem entidades, como a própria ANC, assembleia nacional catalã, que tem papel fundamental no movimento”
– Rodrigo Penna
Por que a Catalunha não se separa da Espanha?
Essa pergunta é feita há anos, e por si só é bem complexa. O Presidente da Associação Cultural da Catalonia tentou responder esse questionamento em uma conversa para a HC.
O entrevistado citou os dois principais motivos para a não separação, divergências de opinião entre o povo e um certo nível de desorganização política dentro do movimento. “Para isso precisa-se de uma ampla base popular, quem decide é o povo… há ainda uma disputa entre os próprios partidos independentistas”.
Segundo o mesmo, quando questionado se a independência da Catalunha teria mais benefícios ou malefícios para o povo, ele afirma,com certeza, que a mudança traria mais benefícios.“O governo capta e faz a distribuição para as comunidades autônomas, e quem é a comunidade autônoma na Espanha que mais contribui e menos arrecada na volta? A Catalunha. Aqui você tem um argumento econômico, esteja você a favor ou não da independência catalã, irrefutável”.
Sobre se o sentimento de independência catalão ficou menos ávido, Rodrigo acredita que houve uma desmobilização, mas o sentimento permanece. A parcela favorável à independência catalã não possui motivos para mudar seu posicionamento. Trazendo uma análise do efeito da Pandemia de COVID – 19, o presidente acredita que neste âmbito, trouxe aspectos muito negativos com todas as restrições dessa época.
Citando o atual governo catalão, Rodrigo pontua a diferença entre o povo e o governo. “Você pode até ter uma maioria a favor da independência, mas você tem um governo claramente contra. Este governo não vai agir nessa direção….talvez nas próximas eleições, se o povo decidir a favor da volta dos independentista, aí sim podemos ter um novo momento crítico pro estado espanhol e de empoderamento social na Catalunha”.
Houve uma desmobilização, mas o sentimento permanece. Quando houver uma unidade política e uma clara vontade do povo de se rebelar a favor da independência, no momento que existir uma união entre estes dois e um povo forte e capaz de motivar o governo, aí sim teremos um contexto bem diferente do atual”
– Rodrigo Penna
Surgimento do FC Barcelona
Segundo Penna, “Enquanto muitos países têm representações diferentes de embaixadores, como empresas, pessoas ou entidades, a Catalunha tem no Barça um de seus legítimos e fortes embaixadores”.
A história do clube começa em 1899, de uma maneira bem incomum. Quando Hans Gamper, seu fundador, chegou à capital catalã e decidiu realizar um anúncio dentro de uma revista esportiva. Gamper buscava jogadores dispostos a formar um time de futebol, que mais tarde se tornaria um dos clubes mais icônicos da história do futebol mundial.
Como agradecimento à nação por ter te recebido tão bem, ele decidiu firmar como princípio do time o vínculo com a identidade catalã. Essa conexão é tão importante, que está na língua oficial do time, o catalão, e no escudo do time. Na parte direita há a bandeira da Catalunha e na parte esquerda, a bandeira da cidade de Barcelona, já mais abaixo, está representada as cores do clube e uma bola, mostrando assim, que apesar de ser um clube multiesportivo, sua paixão nasceu mesmo no futebol.
O primeiro campeonato conquistado foi o campeonato catalão, em 1902, e desde então não pararam mais de arrecadar títulos. O Barça foi campeão de 28 la ligas, o campeonato espanhol, 32 copas del rey, 5 Champions league, entre outros milhares de títulos, ecoando assim o legado de um dos maiores e mais autênticos times espanhóis.
FC Barcelona e o regime franquista
O FC Barcelona como um dos maiores símbolos catalães, também sofreu durante a Guerra Civil seguida pela ditadura. O time perdeu o seu fundador, que se suicidou em 1930, e seu presidente, Josep Suñol, ativista pela causa catalã, assassinado pelas tropas franquistas em 1936 – e que logo depois virou presidente mártir do clube.
Os anos seguintes não poderiam ter sido piores, jogadores exilados, mudanças no brasão e no nome, e presidentes previamente escolhidos pelo regime levaram o clube a uma época vitoriosa, mas sem a essência norteadora que fundaram o time. Após a guerra civil, diversos problemas surgiram e até uma bomba destruiu a sede do clube – e não, você não leu errado, a sede foi mesmo destruída – mas começou a se reerguer aos poucos, ganhando títulos e conseguindo de volta a bandeira catalã em seu escudo.
Importante lembrar de que durante a censura a tudo o que era catalão para o regime, o estádio do FC Barcelona, Camp Nou, serviu como uma verdadeira casa para a nação. O estádio se tornou um lugar onde o povo catalão podia se sentir seguro e falar sua própria língua sem ser proibido, aumentando assim os estreitos laços afetivos entre o clube e o povo catalão.
Na foto acima, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, Johan Cruyff, aparece confrontando franquistas, representando uma face não vista do jogador, a face de ativista contra os horrores ditatoriais
Não existe FC Barcelona sem Catalunha assim como não existe Catalunha sem FC Barcelona, por isso a bandeira da Catalunha estampa a braçadeira de capitão do time. Por meio do esporte, o clube passou e passa para o mundo inteiro o sonho da liberdade de uma nação, e espero que enquanto ele exista espalhe o seu lema “Més que un club”, traduzindo, “Mais que um clube”, por onde o seu futebol passar, para honrar e representar o legado daqueles lutaram pela emancipação de toda uma cultura que tentaram apagar.
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The article above was edited by Malu Alcântara.
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