No documentário Pra Sempre Paquitas, ex-paquitas alegaram ter sofrido pressão para ter o “corpo padrão” e poder participar do “Xou da Xuxa”, transmitido na Rede Globo, de 1986 a 1992. Elas que simbolizaram a adolescência e inspiraram muitos jovens, relataram ter desenvolvido transtornos alimentares por causa do programa. Mas qual é o cenário atual? 32 anos depois, ainda existe pressão pelo “corpo perfeito” no mundo artístico?
De um lado, as redes sociais propagam discursos body positive, que buscam incentivar a autoaceitação, e do outro, o estímulo à magreza extrema. Trends nas redes sociais permeiam cada vez mais a valorização dos corpos magros, como o meme “magras”, ou o de utilizar a barra de pesquisa para procurar o peso e a altura para ver pessoas que tenham as mesmas medidas corporais que a sua e se comparar.
O desfile da Victoria Secrets voltou a acontecer em 15 de outubro, cinco anos depois do evento ter sido cancelado. A falta de diversidade fez com que a audiência de 9 milhões de pessoas (2014) caísse para 3 milhões (2018).
Ainda que o desfile deste ano tenha trazido mais representações de corpos, especialistas avaliam que a passarela estava predominantemente dominada por corpos magros convencionais.
Além disso, nos últimos meses, o Ozempic, medicamento usado para tratar a diabetes tipo 2, se popularizou no Brasil como uma alternativa mais rápida para atingir o emagrecimento.
Impacto das redes sociais na autoaceitação
As redes sociais podem proporcionar uma experiência individual para cada usuário. Através do algoritmo, conteúdos diferentes podem ser entregues para pessoas do mesmo ciclo e na maioria das vezes pode apresentar um impacto negativo, como avalia a nutricionista Júlia Zenerato.
“Eu acho que a época em que a gente está, de uma magreza extrema exposta pelas blogueiras, influencia muito na forma como a gente enxerga o nosso corpo, nesse sentido de se comparar, de sempre querer estar mais magra”, ressaltou Zenerato.
Além disso, a facilidade de qualquer pessoa poder divulgar informações na internet, sem ter o devido conhecimento, contribui para um terrorismo alimentar.
“Tem uma desinformação muito grande na internet, de blogueiras e médicos que não sabem sobre alimentação e acabam colocando um terror alimentar muito grande em todo mundo e aí quanto mais tem essa pressão, mais insatisfeita você fica com o seu corpo e mais você vai ficar com as dietas restritivas visando um emagrecimento rápido”, como esclareceu Zenerato.
O corpo gordo: dentro da cena, fora do protagonismo
Júlia Del Bianco, 37, é bailarina, plus size e mestranda de dança na Unicamp. Ela dança desde os três anos e já passou pelo jazz e contemporâneo, mas sua paixão é o balé.
Dentro desses 34 anos como bailarina, Julia contou que vivenciou a pressão estética de diversas formas. Na disponibilidade de tamanho nas roupas, na posição de destaque (ou não) em que ficava em uma apresentação, ou mesmo durante as aulas que ministrava como professora de balé.
“Nunca podia ter um lugar de protagonismo do corpo gordo, as bailarinas sempre, ou mesmo eu, ficava em um canto, no fundo, uma coisa que era para tentar esconder, nunca poder ter um papel de destaque, nunca poder ser a protagonista”, recordou Júlia sobre suas apresentações.
Embora a gordofobia esteja presente de forma estrutural na sociedade, Júlia ainda relembra que a pressão estética assombra todos os tipos de corpos na dança, mas alguns biotipos são ainda mais impactados pelo preconceito e estereótipos.
“É difícil achar quem não sofre preconceito. Na verdade, eu acho que inclusive quem é extremamente dentro do padrão sempre tem uma pressão estética para você ser cada vez mais magra, ser o mais extremo do extremo no balé”.
Em um vídeo no TikTok, Júlia alerta para as pessoas fazerem o movimento de olhar para dentro e se questionarem: “seu corpo não é capaz ou você acreditou que não?”. Essa reflexão começou a ecoar na bailarina quando ela começou a pensar se as pessoas gordas não eram alongadas e fortes os suficientes para estarem no balé ou se elas apenas não tinham tentado. Ela ainda ressaltou que um pensamento recorrente é o de pensar que para estar em algum lugar, é preciso emagrecer primeiro.
“A gente não precisa estar pronto para começar. Então, tem que se jogar. Às vezes você está lá com todas as suas dúvidas achando que aquele não é o lugar, mas você pode estar inspirando outras pessoas que você nem imagina.” ressaltou Julia.
Embora pessoas de diferentes biotipos estejam conquistando mais espaços na mídia, nas redes sociais e no mundo artístico, ainda falta muito para se atingir a representatividade para que pessoas de diferentes corpos consigam estar cada vez menos nos fundos e cada vez mais nos papéis de destaque.
“Eu acho que a gente teve um caminho muito bom para representatividade, mas eu acho que ainda falta muito, né? A gente ainda vê muitas pessoas boas que poderiam estar em lugar de mais destaque na mídia” – comenta a bailarina. Nas redes sociais eu acho que a gente podia ter muito mais, a gente vê influenciadoras, por exemplo, que são maravilhosas, que são gordas e elas não têm a mesma repercussão do que influenciadoras magras, mesmo tendo trabalhos muito bons e até melhores”, finalizou.
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O artigo abaixo editado por Ana Carolina Carvalho.
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