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Sex-Care Feminino: Como Sentir Prazer É Lutar Por Liberdade

The opinions expressed in this article are the writer’s own and do not reflect the views of Her Campus.
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Desde que o mundo é mundo, é consentimento geral que há determinados assuntos que não devem ser comentados: futebol, religião, política e, claro, mamilos femininos. A forma como fomos socializados, em uma sociedade patriarcal e moralista, limita a discussão sobre o prazer feminino a um coadjuvante do deleite masculino durante as relações íntimas. E, ainda mais adiante, limita a sexualidade feminina na sociedade heteronormativa, provendo muita fetichização e pouco conhecimento do corpo, do cuidado e do prazer das mulheres. Entretanto, com a chegada das últimas décadas, a necessidade fisiológica de prazer feminino – finalmente – colocou em pauta a essencialidade de falar sobre o sex-care: cuidados com o sexo e a sexualidade feminina sem tabus.

Sex toys: um mercado em crescimento – só agora

No ano de 2021, o mercado de sex toys (produtos e brinquedos eróticos) circulou por volta de 2 bilhões de reais, acompanhado pelo crescimento do mercado de produtos voltados para sex-care: cosméticos e produtos íntimos pensados para auxiliar no cuidado sexual da mulher para a própria mulher. É interessante comentar que o crescimento desse mercado apenas agora fala muito sobre o sexismo da sociedade em que vivemos. “A gente vê tantos artifícios e dispositivos para os homens se conhecerem sexualmente – tudo é feito em prol do prazer deles e não do nosso”, comenta Hana Khalil, comunicadora e influenciadora digital. 

“Então eu acho que os sex toys cresceram porque caiu muito esse moralismo em volta da sexualidade feminina ao longo dos anos. Hoje em dia, a gente discute muito mais essas coisas e entende que é uma necessidade fisiológica também da mulher; porque se fala muito da sexualidade masculina enquanto algo biológico, fisiológico. Então se ouve ‘ele é homem, né? Ele precisa daquilo’. As femininas são exatamente iguais, né? Então, eu acho que tem essa desigualdade de gênero, que consequentemente vem para acompanhar esse autoconhecimento que as mulheres estão tendo só agora”, completa.

Cuidado sexual é autoconfiança

Toda a criação social da humanidade é pautada na culpabilização da mulher quanto a todas as questões que podem surgir quando há uma figura feminina envolvida na equação. Pudemos ver isso desde Eva, passando por Pandora e sendo refletida até hoje na política, cultura e, claro, no sexo. Não conseguir dar prazer para seu parceiro é tão culpa da mulher quanto não receber prazer – e vale ressaltar que o sexo é pautado pela penetração vaginal, e a vagina é menos sensível que o clitóris”. 

“A educação sexual pautada pelo masculino é o segredo para entender porque muitas mulheres têm dificuldade para sentir prazer. Mas, ainda assim, os dois mitos citados se encontram em vários aspectos e trazem um significado em comum: a mulher como grande culpada de tudo. Até hoje, a constante de culpar a mulher está presente na nossa cultura e em tantas outras. Para mudar esse estigma, é necessário começar a cada vez mais falar sobre o prazer feminino. “Eu acho que é também ajudar as mulheres a caçarem essa autoconfiança… É muito importante para elas entenderem que muitas coisas não são culpa delas, sabe? Eu acho que o prazer sexual feminino pode libertar em vários outros setores”, comenta Hana. 

Adiante, lembrar que o prazer sexual feminino é tão biológico quanto o masculino é essencial. “Eu acho que quando a mulher conhece o corpo dela, ela entende como funcionam coisas que a gente só aprende depois de 20 e poucos anos de vida. Tipo, nunca ninguém me falou isso… eu fui aprendendo quando fui ficando mais velha. Eu acho que esse processo tem que começar a acontecer mais vezes para outras mulheres. Do tipo, as mulheres entenderem que sozinhas elas têm que sentir prazer, sabe? Elas têm que conhecer o corpo delas, elas têm que saber que elas podem fazer isso também, elas devem conhecer o próprio corpo no sentido sexual também e ir conhecendo os diversos outros aspectos. Então, você sabe como é o seu colo do útero? Onde é seu colo do útero? Onde fica o Seu útero? O que é o quê, onde você sente mais prazer… Acho que também te devolve uma autonomia muito grande sobre o seu corpo, que é tirada da gente desde cedo, né?”.

“Eu acho que as mulheres acham que a culpa é dela, sabe? ‘Ah, não, eu tô com uma falta de libido. Ah, não, isso não tá rolando’. E aí ela acha que é tudo com ela. Acho que todas as mulheres tiveram um momento da vida em que elas ficaram tão perdidas quanto a isso que visualizam o problema como sendo uma coisa pessoal, começaram a observar certos elementos enquanto problemas pessoais – e não é. Eu acho que quanto menos a gente conversa sobre isso, mais a gente abre a possibilidade dos homens continuarem fazendo besteira, errando, não se preocupando com as nossas necessidades, não observando as nossas necessidades”, complementa a influenciadora.

Diálogo como principal aliado

“Quando existe um diálogo, quando a gente troca com as outras mulheres, a gente consegue entender que isso é um fenômeno recorrente em vários setores. Talvez não seja você que não tá conseguindo chegar lá, não seja uma falta de libido, porque muitas mulheres não chegam lá. É tudo muito mental. É necessário entender que certas coisas podem estar sendo implicadas pela sua falta de conhecimento sobre o que está acontecendo no seu corpo” diz Hana, quando perguntada sobre como podemos o que deve ser feito para difundir a ideia de que o prazer feminino é tão relevante quanto o masculino. 

“Se a gente conversa sobre isso, a gente identifica ‘caraca, ele que não tá fazendo isso; ele que não tá correndo atrás de me proporcionar uma experiência que seja voltada também para as minhas necessidades. Ele não tá com paciência para isso. Ele tá pensando que ele quer fazer o dele e ir embora’. Então você vira um acessório. Quando você conversa com outras mulheres que também se sentiram dessa forma, você cria sua rede de apoio, sabe? Quando você conversa isso, não só com as outras mulheres, mas conversar abertamente sobre isso, a gente não só está fazendo as mulheres se sentirem menos sozinhas, como a gente também tá dando nome às coisas”.

“Eu acho que até tem também uma participação dos homens. Os homens precisam falar entre eles o que eles podem estar fazendo de errado também, porque eu acho que existe uma coisa muito deles, de você falar o que um homem faz errado, eles ficarem muito de birra, sabe? É muito complicado quando a gente fala de homens porque a gente sabe que é muito mais cansativo. É um lugar muito mais hostil, muito mais complexo. Então eu acho que tem que abrir essa discussão para ela se expandir mais ainda. Eu acho que eles tem que começar a admitir o que eles fazem, sabe? Não só o que eles fazem, mas qual é a posição dele em relação a isso”, finaliza.

Qual a real importância do sex-care?

No fim das contas, o que o sexual-care propõe é uma relação mais profunda com o sexo (seja ele solo ou acompanhado), uma proposta de autocuidado através do sexo. Afinal, a atividade pode desempenhar uma função de autoconhecimento e cuidado com o self. É possível que o tabu em torno da sexualidade e da busca pelo prazer tenha afetado sua relação com o sexo e você não se sinta à vontade para explorar. O bem-estar sexual se trata justamente de afastar o assunto de vergonhas, preconceitos e culpas. A busca pelo prazer deve estar atrelada à saúde e ao autocuidado – não a algo sujo, errado ou pecaminoso.

Diferentes psicólogas e psicoterapeutas afirmam que existe um “quinteto do mal” que assombra a grande maioria das mulheres antes, durante e depois de suas relações sexuais: culpa, tristeza, vergonha, medo e raiva. A ansiedade excessiva em conseguir gozar ou ter um desempenho incrível na cama – e, se não conseguir, não falar nada para o par, – se masturbar e se considerar “suja” por isso, ter fantasias sexuais e não realizar por causa de crenças e tabus, vergonha do próprio corpo… Todos esses fatores podem influenciar a saúde sexual feminina, tanto em relações quanto dela com ela, seja em momentos íntimos ou em relação à autoestima. É isso que o sex-care vem resolver.

“Cuidado sexual também é não desperdiçar o seu tempo quando se trata de se conhecer. É sempre bom você estar sozinha e se observar, notar o seu corpo, notar as mudanças que acontecem nele… Porque somente a gente, que é mulher, sabe que são muitas mudanças em um mês. A gente tem ciclos; nós somos cíclicas. A gente tem momentos diferentes do nosso corpo, tem vontades em momentos diferentes, ele é adaptável para cada fase… Mas muitas vezes a gente não saber disso faz com que a gente se sinta cada vez mais sozinha, mais paranoica sobre nossas questões, né? Cada vez mais se conhecer, se tocar, se explorar e conseguir entender os limites do seu corpo é essencial para uma relação mais saudável da mulher com seu corpo, com ela mesma”, completa Hana.

A sociedade como um todo precisa compreender a sexualidade feminina como um tópico de saúde, além de corporal ou psicológico. Para isso, é necessário enfrentar os pequenos paradigmas estabelecidos pelo desenvolvimento cultural como um todo: até no nosso vocabulário nós reproduzimos machismos escondidos que se tornam corriqueiros pela falta de conhecimento – como a palavra “tesão”, que tem origem na palavra ‘teso’, que quer dizer duro, rígido, esticado. Ou seja, remete ao órgão sexual masculino em torno do qual nossa vida sexual foi construída, historicamente, para acontecer.

 Enquanto não conseguirmos efetivamente mudar o raciocínio social imposto pela sociedade, vale a pena investir em autoconhecimento. Brinquedos sexuais, momentos de prazer independente e cuidados com cosméticos especializados podem auxiliar mulheres a se sentirem mais confortáveis com o próprio corpo, os limites e espaços a serem explorados durante uma relação. Afinal, não existe outra forma de ser amada corretamente por alguém além de se amar e se conhecer em primeiro lugar.

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O artigo abaixo foi editado por Maria Luiza Dantas. Gostou desse tipo de conteúdo? Confira Her Campus Cásper Líbero para mais!

Clarissa Palácio

Casper Libero '25

Paulistana nata, feminista, leonina e apaixonada por rosas, sou fotógrafa formada e escrevo desde os 7 anos de idade. Comecei com poesia, histórias de fantasia, depois música e, aos 13, descobri o jornalismo – aí não teve jeito, foi paixão à primeira vista. Já passei pelo Estadão, Uol e Repórter Brasil. Quero poder escrever sobre tudo e deixar o mundo um pouquinho melhor para quem vem - e já está - por aí!