Em 1995, após a Cúpula da Terra, o governo de diversos países se reunia para decidir os próximos passos em direção a evitar o colapso climático mundial. O surgimento da Conferência das Partes, reunião popularmente conhecida como COP, aconteceu em 1995, em Berlim.
A Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima criou a COP com um propósito de melhoria ambiental, como um órgão responsável por tomar decisões necessárias rumo à redução de impactos humanos sobre a terra.
Ao longo das décadas, as conferências se transformaram no principal espaço de negociação climática internacional, reunindo países com interesses convergentes e divergentes, todos pressionados pela urgência ambiental. Seus encontros se tornaram não apenas fóruns decisórios, mas vitrines políticas, onde as contradições ficam ainda mais expostas: enquanto a COP discute a transição energética e o fim dos combustíveis fósseis, o Brasil avança com projetos de exploração de petróleo liderados pela Petrobras.
Conflitos ambientais e a imagem do Brasil
Com a COP 30 marcada para Belém, a Amazônia torna-se palco de uma discussão antiga e essencial. O Brasil, como um país que se apresenta o guardião da maior floresta tropical do mundo, apresenta tensões que antecedem qualquer discurso oficial: em 2025, a Petrobras obteve licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para perfurar e explorar a Margem Equatorial. A região, que fica localizada ao norte do país, é conhecida devido ao seu alto potencial petrolífero.
Segundo o Ibama, o licenciamento foi concedido após uma série de mudanças no projeto da Petrobras. A empresa ainda disse que comprovou a “robustez de toda a estrutura de proteção do meio ambiente”. Segundo a Folha de São Paulo e a CNN Brasil, “a perfuração do poço exploratório teve início em 20/10/2025”, no mesmo dia da emissão da autorização.
A empresa já mantinha a sonda de perfuração posicionada no local desde agosto deste ano, além de realizar simulações de emergência exigidas pela licença. A petroleira deu início imediato à perfuração, visando apenas à pesquisa e sem produção de petróleo.
O licenciamento foi liberado às véspera da conferência, mesmo após o alerta de ambientalistas a possíveis impactos ao meio ambiente. A justificativa econômica, que consiste em exploração estratégica, aumento da autonomia energética e expansão da fronteira petrolífera, convive diariamente com preocupações de pesquisadores e comunidades sobre o risco ecológico de um acidente.
Enquanto a exploração avança no litoral, a fronteira agrícola se expande no interior. De acordo com dados divulgados pela rede MapBiomas, os estados do Matopiba — entre eles, Maranhão, Bahia, Tocantins e Piauí — continuam concentrando a maior porcentagem de perda de vegetação nativa e o maior índice de desmatamento do Cerrado.
Os números preocupam ainda mais os pesquisadores, por ser uma área que concentra as maiores nascentes fundamentais do Brasil e afetar diretamente a produtividade agrícola da região, focada em commodities como soja, milho e algodão. Apesar de sua importância, permanece fragilizado por políticas que priorizam expansão produtiva em detrimento da conservação.
As desigualdades urbanas expostas pela COP
A escolha de Belém como sede traz luz não apenas à floresta, mas também à Amazônia urbana, um território historicamente negligenciado em debates nacionais. A cidade concentra problemas estruturais profundos, sobretudo no saneamento básico: bairros inteiros convivem com esgoto a céu aberto, ausência de coleta adequada e infraestrutura precária, com custos de vida elevados e crise habitacional.
A distorção parte do que os especialistas, como a Dra. Roberta Menezes Rodrigues, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Belém, chamam de “cidade partida”: o surgimento de Belém se deu a partir da “primeira légua patrimonial”, uma porção de terra concedida à Câmara Municipal da cidade pela coroa portuguesa no século 17, predominantemente na área rural. O investimento em urbanização e infraestrutura se concentrou na área central do espaço, que hoje abriga mercados imobiliários e equipamentos culturais e públicos da região.
Acima de tudo, essas condições contrastam com a imagem de cidade-sede de um dos maiores eventos ambientais do planeta. Nas últimas semanas que antecedem a conferência, obras emergenciais se multiplicam, sobretudo em áreas próximas aos centros de convenções e aos trajetos que serão percorridos por delegações internacionais. Uma das intervenções mais polêmicas ganhou destaque internacional: a construção de uma nova rodovia de quatro faixas cortando áreas de floresta amazônica protegida para facilitar o acesso ao evento.
Críticos apontam que a obra já removeu dezenas de hectares de vegetação nativa e fragmentou um território que deveria ser prioridade de preservação, segundo a BBC News Brasil.
Grande parte das intervenções possuem caráter cosmético, com pouco impacto efetivo na vida cotidiana da população local.
Como uma alternativa “prática” apresentada, delegações foram acomodadas em transatlânticos ancorados próximos ao porto, uma solução adotada diante da incapacidade da rede hoteleira local de comportar milhares de visitantes. A escolha, porém, reacende debates sobre emissões de carbono e inconsistências entre o discurso e sua prática. Navios de grande porte estão entre os meios de transporte mais poluentes do mundo, emitindo grandes volumes de gases e partículas ao longo do tempo.
As embarcações contratadas podem chegar a consumir 270 mil litros de combustíveis fósseis por dia em operação normal. Em média, um único navio desse porte pode emitir toneladas de dióxido de carbono por dia. O paradoxo de utilizar um meio de transporte movido a óleo marítimo em um encontro dedicado a discutir narrativas sustentáveis vêm sendo destacado por ambientalistas de todo o mundo, sintetizando as tensões que permeiam o evento: um esforço global por transição energética, ancorado temporariamente em um modelo de mobilidade fossilizado.
O reflexo do evento ambiental
Com a chegada da reunião, a contradição entre discurso e prática torna-se cada vez mais evidente. O Brasil pretende ocupar a posição de liderança ambiental, destacando sua matriz energética majoritariamente renovável, seu potencial de expansão solar e eólica e seu papel como defensor da Amazônia. No entanto, algumas práticas expõem fragilidades internas que desafiam a construção de uma boa imagem. A liberação para exploração de petróleo em área sensível, o avanço da fronteira agrícola e a desigualdade urbana evidenciam a dificuldade de conciliar ambições ambientais com interesses econômicos.
Agora, o país vive em um momento decisivo: a COP 30 pode consolidar o Brasil como protagonista da política climática global ou intensificar a percepção de que o país opera com duas agendas paralelas — uma para consumo internacional e outra para decisões domésticas. O legado da conferência é claro: se conseguir transformar as tensões em um compromisso sólido, poderá representar um marco de reconstrução da credibilidade ambiental brasileira. Caso contrário, corre o risco de reforçar a imagem de que o Brasil ainda enxerga a sustentabilidade como narrativa estratégica, e não como eixo estruturante de desenvolvimento.
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O artigo acima foi editado por Luiza Kellmann.
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