Quatro anos se passaram desde a morte de Paulo Gustavo, ator, humorista, diretor, roteirista e apresentador brasileiro. Paulo foi vítima de complicações da Covid‑19, mas a presença do comediante segue viva no riso e na memória coletiva. Em suas próprias palavras, “O humor salva, transforma, alivia, cura, traz esperança para a vida da gente. Rir é um ato de resistência.”
TRAJETÓRIA E CONSAGRAÇÃO
Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros chegou ao mundo em 30 de outubro de 1978, em Niterói, cidade dividida entre o mar e o rochedo. Ainda menino, experimentou na própria casa pequenas cenas de comédia: imitava vozes, encenava situações domésticas e arrancava suspiros de quem o cercava. A paixão o levou à CAL, a Casa das Artes de Laranjeiras, templo carioca das artes dramáticas. No fim de 2004, enquanto escrevia as últimas linhas de sua formação, estreava em Surto, onde deu seus primeiros passos como Dona Hermínia: uma senhora à beira de um ataque de nervos, arrancando risos pelo exagero e pela sinceridade.
Ao se formar, em 2005, Paulo já experimentava a TV e o teatro com a mesma voracidade. Mas foi em 2006 que se consagrou: o monólogo Minha Mãe É uma Peça nasceu do cotidiano mais simples — as frases, as manias e o improviso de sua mãe, Déa Lúcia — para se tornar um fenômeno de crítica social embutida em bom humor. Rodou o país, onde lotou teatros e posteriormente migrou ao cinema, quebrando recordes de bilheteria e convertendo Dona Hermínia em um ícone popular.
A partir dali, o universo do humorista expandiu-se: na TV, foi o núcleo de 220 Volts e o pilar de Vai que Cola, e na tela grande colecionou participações em comédias que iam de animações infantis a dramas urbanos. Em 2019, lançou Filho da Mãe, espetáculo musical em que dividiu o palco com Déa Lúcia, resgatando o lado crooner da mãe, que animara bailes e casamentos nos anos 1990, mas nunca em um palco profissional. Foi, nas palavras do próprio Paulo, um “presente” para quem o ensinara a rir antes mesmo de saber o que era um aplauso.
RISO COMO PROTESTO
Quando o Brasil enfrentou o pior da pandemia, o humorista transformou sua voz em megafone de bom senso. Entre uma postagem e outra, usou o Instagram para alertar sobre os riscos do descaso. No fim de março de 2020, publicou em tom de cobrança: “Que louco como as pessoas não estão respeitando… Gente, ACORDA! Não rola praia, boate, restaurante… É sério! Vamos ter empatia!” Meses depois, em janeiro de 2021, repetiu o apelo: “Agiliza essa vacina aí, gente! […] Louco pra tomar vacina!”
Em 13 de março de 2021, Paulo foi internado no Hospital Copa Star, na Zona Sul do Rio. A terapia de ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorporal) e a ventilação mecânica tornaram-se rotina. No dia 3 de maio, após breve melhora, um súbito quadro de embolia gasosa disseminada transformou esperança em desatino. Às 21h12 de 4 de maio, constatou-se a morte cerebral: 52 dias de luta, marcados por boletins de “deterioração importante” e “sinais vitais presentes”, coroados pelo silêncio definitivo. Ele deixou o marido Thales Bretas e os gêmeos Gael e Romeu, de um ano – presença viva do afeto que sempre pulsou sob seu discurso cômico.
MEMÓRIAS E HOMENAGENS
Nas horas que se seguiram ao anúncio, as redes sociais converteram-se em uma arena de saudade. Thales Bretas desabafou no Instagram, recordando a felicidade compartilhada em sete anos de união e definindo Paulo como “um furacão” que iluminou a Terra antes de alçar voo ao céu.
Tatá Werneck o apelidou de cúmplice de cena e Fábio Porchat cúmplice de gargalhadas. Artistas de gerações diversas, como Mônica Martelli, Zeca Pagodinho e Lulu Santos, depositaram suas saudades em postagens que misturavam humor e melancolia.
Não demorou para que o movimento transbordasse para o debate político. Nas manifestações, o ex-presidente Jair Bolsonaro publicou nota de pesar, mas foi imediatamente criticado pelo deputado Marcelo Freixo, que acusou o chefe do Executivo. “Você pagará pelos seus crimes, seu monstro. Cínico.”
Em paralelo, o escritor Paulo Coelho listou no Twitter as falas negacionistas que, segundo ele, “se tornaram cúmplices da morte de Paulo Gustavo”, e o cantor Caetano Veloso conclamou o país ao luto e à mobilização contra as falhas na gestão da pandemia.
A dimensão do impacto ficou evidente quando “Paulo Gustavo” alcançou o topo dos trending topics no Brasil e no mundo, gerando milhares de publicações de fãs e instituições culturais. Em várias cidades, aplausos ecoaram de janelas e sacadas, reforçando a ideia de que o riso — marca registrada do humorista — segue como um elo de resistência mesmo diante do luto.
EXPOSIÇÃO
Na data em que completou quatro anos da morte do ator, Thales Bretas recorreu às suas redes sociais para prestar uma homenagem cheia de emoção. Num texto comovente, ele relembrou a dedicação de Paulo – não apenas à carreira, mas sobretudo ao afeto que movia cada esfera de sua vida, da família ao público.
Segundo Bretas, a exposição “Paulo Gustavo: Rir, Um Ato de Resistência” funciona como um elo vivo que mantém o humorista presente entre todos que o amavam, “como se cada figurino, cada fotografia e cada peça de arte fosse outra risada compartilhada” no teatro da memória.
Idealizada com o apoio da família e coordenada por Thales em parceria com o curador Nicolas Martin Ferreira e a co‑curadora Juliana Cintra, a mostra estreia em 29 de março no MAC Niterói. Dividida em cinco galerias, ela reúne desde figurinos icônicos até registros pessoais e um curta‑metragem inédito, mapeando a trajetória de Paulo desde as brincadeiras caseiras até o estrelato nacional.
Fora do museu, a cidade–berço do artista também se engajou na celebração: uma rua de Icaraí recebeu oficialmente seu nome e uma estátua foi erguida no parque Campo de São Bento, convertendo-se em ponto de visitação para admiradores que, mesmo em luto, resistem sorrindo à saudade.
LEI PAULO GUSTAVO
Sob o signo do riso transformador, entrou em vigor em 8 de julho de 2022 a Lei Complementar nº 195/2022, conhecida como Lei Paulo Gustavo. Ao todo, R$ 3,86 bilhões do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual foram destinados a estados e municípios, para alavancar projetos culturais e remediar o baque econômico da pandemia. Em março de 2025, o Senado estendeu o prazo de execução dos recursos até dezembro, ampliando a janela para que ideias brotem, circulem e finquem raízes.
Quatro anos depois, o sorriso de Paulo permanece como ponte entre gerações, lembrando que, mesmo nos dias mais difíceis, o riso é força política, abrigo emocional e, acima de tudo, homenagem viva ao homem que mostrou – entre gargalhadas – como ser feliz e solidário.
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O artigo acima foi editado por Gabriela Belchior.
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