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This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Eu tinha muita vergonha do formato do meu corpo, da cor da minha vagina, do tamanho dos meus seios. Tudo era motivo de vergonha e insegurança”, afirma a estudante Ana Beatriz*. Esses são alguns dos pensamentos que surgem com a cultura pornográfica. Os filmes pornô apresentam uma irrealidade, uma forma pronta de sexo que faz as pessoas acreditarem que todas as relações acontecem daquele jeito.

Para a sexóloga e psicóloga Alessandra Silva, filmes pornô trazem estimulantes tão nocivos quanto drogas, colocando a figura da mulher como uma mera coadjuvante. Muitas vezes o homem nem é visível nos vídeos, mas faz o que deseja com a parceira, que é “quase como uma marionete, realizando todos os desejos sexuais de seu parceiro, uma fonte de prazer do homem, falando de uma relação heterossexual”.

Muitos casais se iludem de que têm uma vida sexual satisfatória apenas pelo sexo em si, sem que haja um diálogo sobre o assunto, sem conhecer seus próprios corpos e sem dizer o que os agrada ou não. “Muitos fingem e outros não percebem, achando que aquilo muito simples e básico é uma vida sexual ativa”, explica a sexóloga.

Segundo Alessandra, a pornografia vai te ensinar o que não fazer. Para o sexo ser bom, não basta se basear em vídeos que, em sua maioria, retratam relações heterossexuais e tem o foco somente no pênis, seguindo quase que um roteiro pronto: sexo oral, penetração, orgasmo. 

 

Se não tem consentimento, é estupro

O sexo muitas vezes é visto como uma necessidade vital masculina, a qual é função da mulher satisfazê-la. Porém, o desejo dos homens não é uma responsabilidade das mulheres. Essa tal “necessidade” é, na verdade, uma forma de machismo, já que a mulher também tem vontades. E o que faz a indústria pornográfica é incentivar indiretamente essa ideia de que a mulher serve para satisfazer os desejos do homem.

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Molly Longest / Her Campus
Algumas vezes eu não estava com vontade de sexo, mas meu namorado queria e ainda ficava chateado se eu dizia que não, já que ele estava necessitado. Então eu pensava que precisava satisfazê-lo”, conta Ana Beatriz. De acordo com a sexóloga Alessandra, as pessoas não enxergam que atitudes como essa são consideradas estupro, e podem ser vindas de um namorado ou marido como falas manipulatórias, mesmo que inconscientemente. “Se você sofre qualquer tipo de chantagem ou ameaça para conseguir sexo quando você não quer, você está sendo estuprada. Se você é tocada, filmada ou fotografada sem consentimento, você está sendo estuprada. Mulheres não nasceram para dar prazer aos homens. O desejo do homem não é responsabilidade sua”, disse ela.

 

A excitação oscila ao longo do sexo

As pessoas costumam pensar que, assim como nos filmes pornô, a excitação no sexo é contínua. A ereção do homem deve acontecer a todo custo, ele não pode brochar, ou a mulher deve aguentar o tempo todo, finalizando com o “squirt”, esguicho de ejaculação feminina que aparece nos filmes pornô, que não são controláveis e poucas mulheres já vivenciaram. Porém, não é assim que funciona na realidade, já que há muitos jogos de edição de vídeos na pornografia.

Às vezes a penetração doía, mas eu achava que o problema estava em mim e continuava mesmo com dor”, revela a estudante. Alessandra reforça que o sexo da vida real pode incluir câimbras, calor, sede, vontade de ir ao banheiro, lubrificação excessiva ou pouca, que atrapalha a penetração ou gera dor e posições desconfortáveis no meio do caminho, o que é completamente normal. Dessa forma, pausas são necessárias. Acontece o mesmo no sexo anal, além de que ele não acontece espontaneamente e a lubrificação é extrememante necessária.

woman laying on top of man in underwear
Photo by Freestocks.org from stocksnap

 

Além da penetração frenética e do sexo oral

Nos vídeos pornográficos há uma conclusão implícita de que, se o homem chegasse ao orgasmo de maneira fácil, rápida e prazerosa através da penetração, aconteceria o mesmo com a mulher. Porém, não são todas que sentem prazer apenas com isso. 

A parte não mostrada nos filmes, que é construir algo para além da penetração, é importante, já que aguentar muito tempo ininterruptamente é desconfortável. Esse ritmo de “sexo britadeira”, como chama Alessandra, com uma penetração forte e frenética não é a preferência de todos, ainda mais sem as preliminares, e só funciona nos “flashes” para as câmeras, não para o prazer feminino.

As pessoas se enganam de que preliminar é o sexo oral ou masturbação, já que eles não deixam de ser também uma forma de sexo. O olhar e conexão são aspectos ainda mais importantes do que uma ação construída. Um beijo demorado, toques além das genitais para depois chegar no sexo oral e penetração são fundamentais.

Algumas pessoas começam a relação sexual pensando no final e focando no orgasmo. Porém, dessa forma, o real prazer do sexo é esquecido, tanto o de uma mulher que se dedica ao orgasmo do seu parceiro ou parceira, tanto o do homem, já que toda a exploração do corpo é deixada de lado.

O corpo tem muito a que se explorar, então focar apenas entre as pernas é um erro. “Sinta o cheiro, toque e beije outras partes do corpo, capriche e demore nos beijos, explorando as línguas, esfreguem seus corpos, sinta a pele arrepiar e esquentar. O bom é sentir o máximo de prazer, sem pressa”, recomenda a sexóloga.

 

Fingir orgasmo não é normal, até porque ele não é uma regra

Segundo estudo de Transtornos Sexuais Dolorosos Femininos do ProSex, realizado pela Universidade de São Paulo, 55% das mulheres brasileiras não atingem o orgasmo durante relações sexuais. As causas podem ser físicas, mas na maioria dos casos são de origem psicológica, devido ao estresse, histórico de más experiências, dores durante a relação, ansiedade, problemas no relacionamento, falta de diálogo e de autoconhecimento.

Para Alessandra, relação sexual não é sinônimo de orgasmo, além de que, não chegar a esse ponto não é uma regra e também não quer dizer que foi um sexo ruim. O autoconhecimento, liberdade e intensidade são imprescindíveis para aproveitar o momento. Conversar, explorar o corpo e ter dedicação de ambas as partes é o mais importante para uma boa transa. Por isso, não há necessidade de fingir orgasmo, pois não é uma regra e fazê-lo para apenas agradar outra pessoa ou para a relação sexual acabar rápido é se anular e não ter amor próprio.

Ainda hoje as mulheres têm dificuldade em compreender que sua sexualidade é um fim em si mesmo, e não uma parte da sexualidade masculina”.

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Photo by Womanizer WOW Tech from Unsplash

 

Os fetiches no sexo

Durante os filmes pornográficos, a violência excita, sendo comum observar agressão, tapas e cuspes, por exemplo. “Na minha primeira vez, por ter me baseado em filmes pornô, pedi para que meu namorado me batesse. Ele sempre pedia para eu me exibir, fazer sexo oral, inclusive forçando uma garganta profunda, me batendo, sempre tudo para ele. E muitas vezes eu não sentia prazer e até não gostava, mas achava que era o normal”, conta Ana Beatriz.

Algumas pessoas gostam de fetiches utilizando a agressão, existe, por exemplo, a prática do BDSM (Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo), mas outras não. O problema é que todas acabam achando que gostam por ser algo normatizado. Para Alessandra, até mesmo o homem pode não gostar, mas achar que deve agredir, “até porque faz parte do machismo estrutural, homem tem que pegar forte e ter determinados comportamentos”. Além disso, existe uma infinidade de posições além do “sexo britadeira”, de quatro e agressivo.

Gemidos, garganta profunda e engolir esperma são outros exemplos de “regras” do protocolo sexual. Para a sexóloga, pensar se aquilo realmente é agradável é importante e deve ser algo combinado, quando ambos na relação gostam. “Não é justo se submeter a algo desagradável e desconfortável só para agradar a pessoa. Respeitar seus desejos será sempre prioridade.”

Outro tipo de fetiche criado em filmes pornográficos é o de etnia e sexualidade. Existem categorias de mulheres asiáticas, negras, lésbicas, que fazem muito sucesso. No entanto, essa classificação é algo que reforça uma sexualização desses grupos na vida real.

 

Não existe padrão para o corpo, nem para as genitais

Há um padrão de corpo em filmes pornográficos, o que gera insegurança nas pessoas por não corresponder ao corpo apresentado. Normalmente, mostra-se uma vagina sem pelos, “vermelhinha”, um pênis grande, um corpo padrão, magro, sem estrias e celulite. Cria-se um padrão até mesmo para as genitais, sendo que vagina tem cheiro, diferentes tipos de cor e o pênis possui diversos tamanhos.

Tudo isso causa bloqueios na pessoa que vai transar na vida real, que pode achar que seu corpo não é bonito e ficar com medo do julgamento. Como consequência disso, a pornografia pode levar à disfunções sexuais e a falta de desejo de relação real, com um medo de frustração com o próprio desempenho. Porém, todos os corpos são normais e bonitos, no site www.genitalia.me há um choque de realidade e mostra infinitos tipos de genitais.

 

Deve-se usar camisinha, mesmo em sexo oral

male condom beside female condom
Photo by Reproductive Health Supplies Coalition from Unsplash

Na pornografia, a camisinha nunca aparece. Nem na penetração, nem no sexo oral. Alessandra diz que é muito irreal o uso para as pessoas, principalmente no sexo oral, porém, até mesmo entre casais lésbicos é necessário, pois não deixa de existir infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como herpes genital, sífilis, gonorreia, tricomoníase, infecção pelo HIV, infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV), entre outros.

Os homens precisam apenas colocar a camisinha para a prevenção, porém, quando eles não querem colocá-la, as mulheres têm apenas uma opção, recorrer a métodos contraceptivos que invadem seu organismo.

Primeiramente, é importante lembrar que se você não tem um parceiro fixo, o sexo oral também deve ser feito com o uso do preservativo, ok? Se já tem e os exames de ambos tá ok, hora ou outra vai rolar sem”, explica.

 

Autoconhecimento

Não é namorar ou ficar com várias pessoas que garante uma vida sexual saudável, mas sim o autoconhecimento. A partir do conhecimento de seu próprio corpo, abre-se uma porta para o diálogo em momentos sexuais, pois assim as pessoas sabem os toques que as agradam. A masturbação é saudável, melhora a autoestima e a capacidade de se responsabilizar pelo seu próprio prazer. É importante apropriar-se de si mesmo e ser dono de sua alegria, se auto valorizando e se rebelando contra o sistema que ensina que as pessoas precisam consumir o que está fora delas para alcançar o prazer. Isso também faz com que a pessoa seja a protagonista em suas relações sexuais com ela mesma e com os outros, não se limitando apenas à penetração.

“Entenda que o seu corpo é um tempo sagrado e maravilhoso que merece ser explorado. Você precisa se conhecer e dançar todas as músicas orgásticas que ele desejar, com diferentes estímulos e ritmos e descobrir e construir as danças que funcionam bem para você, para o seu prazer. Descubra o seu corpo, entre em contato e conexão real com ele. Se dê prazer e não espere isso sempre de alguém”, afirma a sexóloga.

Her Campus / Megan Charles

 

Diálogo

A comunicação é o pilar essencial para uma vida sexual de qualidade e de liberdade se tratando de desejos, fetiches e anseios sexuais. Basear-se em filmes pornográficos é errado, até porque os desejos e gostos são individuais, nada é limitado a uma coisa só, não existe passo a passo ou técnicas infalíveis. Querer conhecer o corpo e gostos da pessoa com quem se tem uma relação sexual deveria ser o mínimo, mas, infelimente, o sexo ainda é muito ligado a competência e desempenho, e para muitas pessoas, perguntar é como se mostrar incompetente ou um amador.

Dessa forma, os parceiros não conversam, ou quando falam, é através de gemidos e xingamentos, o que é bom para algumas pessoas, mas a conversa também é essencial. “Você não vira um personagem, pode conversar sobre o que gosta e não naquele momento. O melhor parceiro sexual é aquele que se despe de tudo que já foi vivido para aprender um sexo novo com uma nova pessoa. Quando for fazer sexo esteja despido de todo o pré conhecimento e julgamento”, finaliza Alessandra.

*Ana Beatriz: O nome da entrevistada foi alterado para preservar a sua identidade.

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O artigo acima foi editado por Helena Figueroa.

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Brazilian journalism student whose passion is a mixture of writing and listening to music. My lemma is always to be happy and respect people :)