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Casper Libero | Culture

Megaoperação ou massacre? Entenda o que ocorreu na ação policial mais letal da história do Brasil

Isadora Mangueira Student Contributor, Casper Libero University
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter and does not reflect the views of Her Campus.

Os números oficiais mostram que a operação policial mais letal da história do Brasil matou 121 pessoas. No último dia 28 de outubro, 2.500 policiais civis e militares empreenderam esforços para adentrar a Serra da Misericórdia, localizada entre os complexos de favelas da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro.

Com a soma dos corpos encontrados por moradores na região da Vacaria — enfileirados para identificação em uma cena que se tornou capa dos principais jornais do país —, o número de óbitos superou os do Massacre do Carandiru (111), em São Paulo, e da Chacina do Jacarezinho (28), também no Rio.

O número expressivo de fatalidades alimentou a revolta dos críticos à política ostensiva da polícia fluminense e à gestão do governador Cláudio Castro (PL-RJ), que chegou a descrever a operação como um “sucesso”.

Mas enquanto a grande mídia brasileira se referia ao acontecido pelo termo “megaoperação”, nas redes sociais e em veículos alternativos ganhava força a ideia de que o ocorrido tenha sido mais um massacre perpetrado pelas forças de segurança do Estado.

A nós, espectadores da violência que toma as ruas e os noticiários brasileiros dia após dia, fica o questionamento: em que momento uma ação policial deixa de ser uma operação e pode ser, devidamente, chamada de chacina?

Terminologias

“Assassínio em grandes proporções, com mutilação de cadáveres ou qualquer outro tipo de crueldade ou violência” e “Assassínio em massa; morticínio cruel” são as definições do dicionário Michaelis para os dois termos. Mas já é possível dizer que foi isso o que ocorreu no Rio de Janeiro?

Para o professor Márcio Alberto Gomes Silva, mestre em direito e especialista em ciências criminais e inteligência policial, não. “Falar em massacre ou chacina é afirmar cabalmente que houve execução extrajudicial. Isso não é afirmado em face do número de pessoas mortas no evento”, ele argumenta.

A jornalista Maria Carolina Trevisan, especialista em coberturas sobre direitos humanos, tem uma opinião um pouco diferente. “Massacre e chacina são palavras usadas pela mídia para determinar eventos com alto grau de letalidade. Nesse sentido, estão corretas”.

Silva diz que só se pode falar em chacina ou massacre quando o policial mata uma pessoa desarmada ou que se entregou. E se isso aconteceu na Penha e no Alemão, somente uma apuração rigorosa e eficiente dos fatos em investigação policial conseguirá determinar. “A quantidade de armas apreendida nos eventos dá uma amostra do poder bélico da organização criminosa”, pondera.

Já Trevisan pontua que “o que se sabe é que em algumas situações houve confronto” — diferentemente do que ocorreu no Carandiru, onde presos desarmados foram massacrados. “Mas não deixou de ser uma chacina”. Segundo ela, a produção de tantas mortes por agentes de segurança do estado é uma “grave violação de direitos humanos”. Um ponto em que os dois concordam, porém, é quanto ao erro de classificar o Comando Vermelho e outras organizações criminosas como terroristas.

“O terrorista pretende passar uma mensagem política por meio de uma ação violenta contra inocentes ou infraestruturas críticas. O objetivo é chocar. Ser visível. No crime organizado, o objetivo é obtenção de vantagem de qualquer natureza por meio da prática de crimes graves. O fim é, normalmente, vantagem financeira”, explica Silva, que acredita que a confusão de conceitos só prejudica o enfrentamento da crise na segurança pública.

O que se observou, no entanto, foi a apropriação dessa retórica pela extrema-direita, que se esforçou para politizar a discussão e parece ter conseguido conquistar o apoio da população. Segundo uma pesquisa do Datafolha, divulgada no sábado (1º), mais da metade da população na capital e na região metropolitana do Rio concordam com a visão do governador sobre o sucesso da operação.

“A esquerda, que tem um discurso que não convence o eleitorado, precisou se mexer para rever a narrativa e isso foi importante. Ano eleitoral é sempre mais delicado. Um fato pode mudar o rumo de uma eleição. Não creio que isso tenha acontecido com a situação do Rio. Mas certamente acende uma luz na importância que a população dá à segurança pública na hora de escolher um candidato”, destaca a jornalista.

Ela entende a necessidade de se dar respostas concretas à crise, mas vê como muito perigosa a classificação de terrorismo e a defesa de uma matança — como a ação foi caracterizada pelo presidente Lula. “A imprensa tem o papel de fazer esses alertas, de tentar levar ao entendimento do cenário e seus perigos e de defender a democracia ainda mais”.

Trevisan acredita que a cobertura jornalística acertou ao dar voz às famílias das vítimas, que denunciaram falta de suporte das autoridades e corpos com indícios de tortura. Enquanto isso, a polícia nega excessos e afirma que respondeu à altura do poderio da facção, e que aqueles que enfrentaram a polícia “escolheram seu destino”.

Ela afirma que o “cenário de guerra”, que logo caiu no discurso popular, deveria ser apenas uma figura de linguagem. “Quando se usa o jargão militar, há um perigo: na guerra, as mortes são toleradas; no estado democrático de direito, segundo a nossa Constituição, matar não é permitido, muito menos pelo Estado”.

o que vem depois

Silva ressalta a necessidade de investimentos em concursos públicos, valorização, equipamentos e treinamento para apoiar a atuação da polícia. “Não se deve, a priori, categorizar a atuação policial como atuação errada ou violenta”, diz. Ele argumenta que a população precisa respeitar a presença da polícia, mas que, por óbvio, abusos devem ser punidos.

Mas ainda que fique comprovado que a operação na zona norte do Rio seguiu o rigor da lei, é preciso analisar seus efeitos práticos: a morte de 121 pessoas e a destruição de suas famílias; 113 presos e dez adolescentes apreendidos; a apreensão de 118 armas e de uma tonelada de drogas; 13 policiais feridos e quatro inocentes atingidos por balas perdidas.

Nas palavras do próprio secretário da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Felipe Curi, os Complexos da Penha e do Alemão distribuem, por mês, dez toneladas de entorpecentes para outras comunidades no estado. Quanto às armas, seriam negociados cerca de 50 a 70 fuzis.

Se o objetivo da operação era desarticular o crime organizado, é difícil imaginar que o saldo de apreensões tenha sido um grande golpe à facção. Segundo um levantamento do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense), a taxa de eficiência das operações da polícia — com base em número de presos e vítimas, apreensão de armas e drogas ou recuperação de bens e motivações — não chega a 16%.

A sociedade, por outro lado, fica com o trauma de mais uma ação violenta que derrama sangue nas ruas, impede o direito de ir e vir e interdita espaços de convívio.

No Jacarezinho, tema da última reportagem de Trevisan sobre operações policiais, ela diz que já se havia ultrapassado em muito o tolerável à defesa dos direitos humanos. A operação na Penha e no Alemão teve quatro vezes mais mortos. “O jornalismo precisa olhar para a cor de quem morre, a cor de quem sofre as perdas, precisa olhar para as crianças que crescem habituadas a agachar em tiroteios, a desviar de corpos, e precisa olhar para os policiais. Boa parte deles fica traumatizada, depressiva e instável.”

“Segurança pública não se faz só com segurança pública”, diz o professor, que destaca a importância da atuação preventiva como medida eficaz no combate ao tráfico de drogas. Os índices de criminalidade não são reduzidos apenas com uma ou duas incursões policiais em determinado território, e atuar preventivamente não é saturar a área com polícia ostensiva.

“É garantir educação de qualidade, acesso a serviços essenciais, emprego/renda, transporte de qualidade, dentre outros direitos constitucionalmente assegurados”, afirma Silva.

No entanto, a sociedade brasileira parece ter normalizado respostas violentas ao problema da violência. “Frases de efeito como ‘bandido bom é bandido morto’ têm, infelizmente, grande aceitação no nosso país. Exercitamos muito pouco a alteridade e a empatia”, reflete o professor.

A jornalista analisa que, no momento em que a cobertura deixou o território, seu embasamento passou a vir de documentos e declarações oficiais — o que passou a atender à opinião pública.

“Nosso dever como jornalistas é pensar a pauta, até antes da opinião pública expressar essa necessidade”, pontua. “A gente que fiscaliza políticas públicas, que denuncia violações de direitos humanos, a gente que tem esse papel de fornecer para sociedade um retrato ou uma situação, ou um fato que mexa com a vida das pessoas, que faça as pessoas pensarem.”

O artigo acima foi editado por Carol Malheiro.

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Isadora Mangueira

Casper Libero '26

Brazillian journalism major. Passionate about news and forever curious with learning more about the world.