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Iniciativas Que Estão Ajudando Alunos Da Rede Pública A Estudar Para O Enem

This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Com as aulas presenciais suspensas desde março, estudantes de todo o Brasil se prepararam para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que acontecerá em menos de seis meses e é uma das principais portas de entrada para o ensino superior no país.

Diante deste cenário de incertezas, em que as desigualdades sociais ficam cada vez mais acentuadas, diversas ações estão surgindo com o objetivo de reduzir os impactos da pandemia sobre os alunos de escolas públicas. A falta de acesso à internet e a plataformas de ensino, além da ausência de um espaço de estudo adequado, por exemplo, representam apenas algumas das barreiras que esses jovens precisam superar para realizar a prova em condições de igualdade com estudantes da rede particular.

Uma dessas iniciativas é o 4G para Estudar, campanha de financiamento coletivo que nasceu do #SemAulaSemEnem, que já havia mobilizado entidades estudantis, escolas, cursinhos populares e usuários nas redes sociais pelo adiamento da prova. Essa ação pressionou o Senado a aprovar um projeto de lei alterando a data do exame.

No entanto, apenas adiar não era o suficiente. Isabela Avellar, designer e mobilizadora do Nossas, laboratório de ativismo que desenvolveu essas campanhas, conta que, após a decisão do adiamento, a organização se reuniu com oito pré-vestibulares comunitários para avaliar quais eram as necessidades mais latentes naquele momento. “A gente queria saber como poderíamos somar e ajudar nas demandas que eles estão tendo na educação popular. Todos eles falaram da falta de acesso à internet, que a evasão tinha sido muito grande e muitos alunos tinham parado de assistir às aulas por não terem internet”, conta.

E assim surgiu o 4G para Estudar. A meta inicial era arrecadar R$ 100 mil em duas semanas, fornecendo um mês de internet para cerca de 2 mil estudantes. Esse valor acabou sendo arrecadado em apenas 12 horas. Ao fim de um mês de campanha, 6843 pessoas haviam se mobilizado e, juntas, somaram R$ 600 mil, o que garantiu três meses de internet para quase 5 mil alunos de cursinhos populares de todas as regiões do país.

Durante essa trajetória, Isabela afirma que a experiência mais gratificante foi a oportunidade de entrar em contato e conhecer os coordenadores dos pré-vestibulares beneficiados pelo projeto: “o Nossas é uma ferramenta, uma ponte. Os grandes protagonistas dessa campanha são os coordenadores de cursinhos comunitários. Eles sim constroem uma educação de base, fazem parte de outras mil campanhas e levam a educação popular do Brasil nas costas”.

A mobilizadora do Nossas reforça o quanto campanhas em prol da educação são essenciais, principalmente em momentos de emergência social, mas reconhece que essas ações revelam também a ineficiência do governo. Segundo ela, “o 4G para Estudar, por exemplo, cumpre um papel do Estado. Essas redes de solidariedade se formam porque ele não deu vazão a uma demanda da sociedade, que é o acesso à educação”.

Vinícius de Andrade, estudante de economia, fundou o Salvaguarda em 2016, quando a ideia de uma pandemia como a do novo coronavírus ainda era distante. Vindo de um bairro periférico em Ribeirão Preto, ele ingressou na Universidade de São Paulo (USP) em 2015 e se surpreendeu com a quantidade de oportunidades que eram oferecidas por lá, mas incomodado com o fato de haver poucas pessoas de origem semelhante à dele.

Para entender porque poucos alunos da rede pública entravam na universidade, ele realizou em 2016 uma pesquisa em quatro escolas da sua cidade. De 193 estudantes do último ano do ensino médio, apenas 13 sabiam o que era a Fuvest — na época, era a única forma de ingresso na USP.

O Salvaguarda nasceu, então, como “um mecanismo, uma instituição que faz parceria com escolas públicas de ensino médio e tem um conjunto de ferramentas para ajudar os alunos com motivação, conteúdo e informação”. O projeto iniciou o ano de 2017 em parceria com onze escolas públicas de Ribeirão Preto apenas com os terceiros anos do ensino médio; no começo de 2020, ele contava com quarenta escolas dos estados de São Paulo e Rio de Janeiros, e contemplava estudantes de todo o ensino médio.

Por conta da pandemia, a iniciativa passou por uma reformulação para funcionar inteiramente online. Agora, com a ajuda de diversos universitários voluntários, ela auxilia alunos de todo o Brasil através de quatro frentes de atuação: correções de redação seguindo os critérios do Enem; grupos de monitoria para todas as disciplinas, em que os estudantes podem tirar suas dúvidas; tutorias para ajudar na organização dos estudos; e orientação para a escolha profissional, em que o Salvaguarda faz uma ponte com profissionais das mais diversas áreas para conversar sobre a carreira. O único critério para ser beneficiado pelo projeto é estudar ou ter estudado na rede pública.

Para o estudante de economia, uma das maiores dificuldades encontradas desde o início do Salvaguarda é conseguir uma ajuda concreta para a educação. “As pessoas apoiam muito ideias. Quando isso vira uma ação, um trabalho real e contínuo, com demandas reais, as pessoas vão sumindo”, diz ele. É preciso ir para além da conscientização. Para Vinícius, quando isso acontece, uma pessoa inspira a outra a se tornar um agente ativo dentro dessa pauta. Esse movimento gera uma reação em cadeia, em que “todas as faíscas vão se tornando um fogo”, e uma mudança real pode, de fato, acontecer.

O fundador da iniciativa afirma que toda vez que conversa com um aluno, ele se lembra do porquê começou com o projeto: “eu amo ter a oportunidade de estar construindo isso com o Salvaguarda. Hoje eu me sinto muito orgulhoso de tudo que tenho construído e toda a relação que eu tenho com os alunos. Me sinto muito grato quando estudantes de outros estados vêm falar comigo, porque, por algum motivo, ele pegou meu número em algum lugar e entrou em contato com essa confiança. E isso não tem preço”.

O Movimento Amplia nasceu de um post no Instagram de Cristiano Ferraz, professor e cofundador do projeto. A imagem era um fundo preto, com uma mensagem bem direta: “Quer pagar a taxa de inscrição do Enem de jovens negros e negras que não conseguiram isenção de taxa?”

A postagem foi publicada em 3 de junho, um dia depois do Inep — órgão responsável pela elaboração do Enem — anunciar a prorrogação do pagamento das taxas de inscrição para o dia 10 do mesmo mês. Até aquela data, cerca de 300 mil estudantes ainda não haviam pago o boleto de R$ 85 para finalizar sua inscrição na prova. Diante dessa notícia, Cristiano viu uma oportunidade para apoiar esses alunos que não foram contemplados com a isenção. Naquela semana, também ocorriam diversos protestos e manifestações antirracistas, tanto nas ruas quanto nas redes sociais, em resposta aos assassinatos de George Floyd, nos Estados Unidos, e do menino João Pedro, no Rio de Janeiro.

“Eu trabalho em um contexto muito vulnerável, que vive todos esses dilemas que estudantes da educação pública no Brasil passam hoje, como dificuldades de acesso à internet e ao ensino remoto de forma geral.  E desde então, eu sentia uma inquietação muito grande, pensando no que eu podia fazer diante desse contexto tão difícil que muita gente vive, já que muitas vezes a gente acaba não vendo possibilidades de atuação dentro das nossas casas, através do nosso microcosmos”, explica Cristiano sobre suas motivações para criar a campanha.

No post do Instagram, as pessoas interessadas precisavam se inscrever em um formulário online, demonstrando interesse em pagar um ou mais boletos de estudantes. A princípio, a ideia do professor era compartilhar apenas nas suas redes, entre seus amigos. Mas a iniciativa tomou proporções inesperadas e, em quatro dias, 53 mil pessoas já haviam demonstrado interesse em apoiar a causa, e 100 mil boletos poderiam ser pagos. Com toda essa mobilização, Cristiano reuniu amigos e, juntos, eles fundaram o Movimento Amplia.

Nessa campanha, o Amplia pagou a taxa de inscrição para 120 alunos. Cristiano diz que houve uma grande dificuldade para atingir quem eles realmente queriam, os estudantes, já que muitos deles possuem um acesso limitado à internet e não estão inserido nas bolhas em que a iniciativa foi divulgada. “A gente entende isso como uma dificuldade sistemática. Não ia ser o nosso movimento, através das redes sociais, que ia suprir toda essa demanda. Mas a gente ficou feliz com o resultado, de conseguir pagar mais de uma centena de boletos. E, mais do que isso, criamos uma rede muito poderosa de pessoas que estavam dispostas a apoiar para além da inscrição do Enem”.

Agora, o Movimento Amplia está promovendo outras ações para mitigar os efeitos da pandemia sobre a educação. Uma delas é o Siga Firme, uma campanha de financiamento coletivo que arrecadou quase R$ 90 mil em um mês. Com esse valor, os mesmos 120 alunos que tiveram seus boletos pagos receberão bolsas de estudos e poderão gerir da forma que preferirem, com alimentação, transporte e acesso a plataformas de ensino, por exemplo.

Há também um segundo foco, que é oferecer apoio a instituições parceiras que atuam com a educação e a pauta racial, como o Educafro, Rede Emancipa, Aió Conexões e o próprio 4G para Estudar, que mostramos no início da matéria. Para um futuro próximo, eles planejam iniciativas de doação de dispositivos digitais e projetos de tutoria.

Cristiano vê o engajamento da sociedade civil em torno dessa pauta como fundamental para realizar transformações e construir uma sociedade que ofereça uma educação de qualidade e oportunidades para todos. “Foi muito rico atuar em redes nesse período em que é muito difícil ver um horizonte positivo. A gente está vivendo um momento atípico no mundo, e enxergar perspectivas futuras positivas é algo quase impossível às vezes. E é muito poderoso quando você vê o potencial dessas pessoas unidas em torno de um propósito”, finaliza.

 

The article above was edited by Helena Figueroa. 

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Mariana Nakajuni

Casper Libero '22

Journalism student at Cásper Líbero