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“Habemus Papam”: de que forma o cinema é capaz de retratar a realidade do Conclave?

Ana Azeredo Student Contributor, Casper Libero University
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter and does not reflect the views of Her Campus.

Sabemos que a arte, muitas vezes, é uma projeção do real. Entretanto, a sétima arte surpreendeu nas similaridades recentemente, através de um filme ganhador de Oscar, Conclave, de 2024. Pode-se dizer que a surpresa não surge somente das semelhanças, mas também da previsibilidade, tendo em vista o atual processo de escolha de um novo papa após o falecimento do Papa Francisco, trazendo um tom místico e espiritualmente misterioso às salas de cinema.

Ralph Fiennes como Cardial Lawrence em Conclave.

Antes de abordar as aproximações entre cinema e realidade, é importante compreender o que envolve essa cerimônia tão significativa para os católicos.

Anterior a votação, são convocados todos os cardeais com menos de 80 anos para a eleição. Na atual seleção, 135 cardeais foram considerados aptos a votar. Após se reunirem na basílica de São Pedro, os cardeais compõem uma missa especial, chamada “Pro Eligendo Pontifice” (Pela Eleição do Papa). Posterior à missa, todos deixam a Capela Paulina e seguem em procissão até a Capela Sistina. Durante o trajeto, os religiosos cardeais vestem trajes corais e cantam o hino “Veni Creator”, invocando o Espírito Santo. Ao chegarem à Capela Sistina, fazem um juramento de sigilo sobre as votações, e, em seguida, o mestre de cerimônias determina “Extra omnes” (Todos para fora), iniciando o isolamento dos cardeais que antecipa as votações.

Bastidores de Conclave.

A Capela Sistina é fechada, e os cardeais se mantêm completamente isolados do mundo exterior, não podendo estabelecer comunicação com qualquer membro externo, inclusive a imprensa. Também estão restritos ao uso de aparelhos telefônicos, computadores, jornais ou qualquer outro meio de informação.

A vestimenta dos cardeais carrega forte simbolismo. Na cabeça, usam o Sólideu (do latim soli Deo, que significa “somente para Deus”), sobre o qual é colocado o barrete. Nos ombros, vestem a Mozeta  – uma capa curta que alcança a cintura – acompanhado da batina vermelha, que simboliza a disposição de derramar seu sangue por Cristo. Por cima, usam o roquete, uma veste branca com rendas que cobre parte do traje.

Durante a votação, nove cardeais são sorteados para exercer funções específicas: três serão responsáveis por contar os votos, outros três serão “revisores” e vão conferir a apuração, e os três restantes recolherão os votos dos cardeais enfermos que não podem comparecer à Capela Sistina.

A palavra-chave para o Conclave é “consenso”, já que dois terços dos cardeais devem possuir o mesmo voto para que o papa seja eleito. O processo pode se estender por dois dias de votação e até quatro votações por dia. Caso não haja conclusão após dois dias, a votação é pausada para um dia de orações e retomada após esse período. Pode ser suspensa após 34 votações, momento em que haverá uma espécie de “segundo turno” entre os dois cardeais mais votados na última rodada.

O público pode acompanhar os resultados de acordo com a fumaça liberada nas chaminés da capela. A fumaça escura indica que o papa ainda não foi escolhido e as cédulas são queimadas com um cartucho de tinta preta. A fumaça branca simboliza a escolha de um novo papa, sendo que, nesse caso, apenas as cédulas são queimadas.

Após a eleição e aceitação do papa escolhido, o pontífice escolhe seu nome, sendo que a escolha normalmente aponta a doutrina a ser seguida com base nos papados anteriores. Com isso, o pontífice é direcionado à “Sala das Lágrimas”, onde recebe suas vestes antes de ser apresentado aos fiéis, e por fim, é levado à Sacada Central da Basílica e anunciado pelo cardeal-diácono: “Habemus Papam” (Temos um Papa).

Abstração da sétima arte

A semelhança entre cinema e realidade está presente não apenas em detalhes materiais, mas também em muitos pontos abstratos. O ambiente fechado, o silêncio, as orações, a solenidade, o peso da decisão, além de fatores implícitos, como a velocidade da eleição. No filme, diante da imensidão de conflitos, o Conclave se estende, enquanto a eleição atual durou dois dias e terminou com a eleição de Robert Francis Prevost – agora Leão XIV – traduzindo a ideia de que Conclaves curtos, encerrados em poucos dias, projetam uma imagem de unidade. A última coisa que os cardeais de vestes vermelhas querem é dar a impressão de que estão divididos e que a Igreja está à deriva após a morte do Papa Francisco, no mês passado.

Trecho do filme Conclave, onde nota-se parte dos trajes.

Outra semelhança imaterial está no viés político do papa escolhido, tanto no filme quanto na realidade, já que na obra audiovisual a Igreja atravessa muitos conflitos de interesses e elege um papa que se diz aberto ao diálogo e a causas sociais. Em paralelo a isso, a eleição de Leão XIV carrega consigo uma ideia de “sucessão” dos valores propagados por Papa Francisco, que sempre esteve aberto ao diálogo e a possíveis mudanças.

E o Oscar vai para…

O impacto do filme se deve, em grande parte, à impressionante semelhança com a realidade, que o tornam uma retratação do real para o grande público. A produção foi gravada em locações reais de Roma, incluindo espaços autênticos do Vaticano, como a Capela Sistina, o que reforça a verossimilhança. Destaca-se ainda o trabalho minucioso com o figurino, que, embora fiel às vestimentas eclesiásticas, confere sutis variações que ajudam a construir a identidade de cada personagem. Indicado à categoria de Melhor Figurino e vencedora do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, a obra confirma seu êxito em unir precisão visual e profundidade narrativa, sem perder autenticidade frente à realidade que representa.

A religião e seu caráter ritualístico

Também são incorporados ao filme detalhes ritualísticos reais que estão presentes em todo Conclave. O primeiro detalhe que pode ser notado é o fechamento do quarto do pontífice com uma fita vermelha, um sinal que indica o fim do seu pontificado e o início do período de “sede vacante”, antes da eleição de um novo papa. Este ato, realizado pelo Camerlengo, chefe interino do Vaticano, serve para isolar e selar a residência do papa falecido, garantindo a segurança e confidencialidade dos seus pertences e informações até que seja eleito um novo pontífice.

Além disso, há a quebra do anel papal. O gesto representa o fim do mandato, mas tem também um objetivo prático: evitar que a peça seja usada para forjar documentos ou selos enquanto não há um novo papa eleito. O filme também apresenta missas celebradas em latim, como verdadeiramente ocorre em um processo de Conclave.

Como um dos elementos mais simbólicos da realidade, a fumaça também é retratada na obra durante todo o processo de escolha do pontífice, além da frustração de todos diante da indecisão, identificada a partir da névoa preta.

Política e religião: convergem ou distanciam-se?

Uma das características mais marcantes do filme é o teor político que permeia a obra e seus conflitos. O Conclave em si é muito mais marcado por um jogo de interesses do que pela solenidade católica em questão. Inclusive, em uma das falas do Cardeal Bellini (Stanley Tucci), ele cita que o Conclave é como uma guerra.

Na vida real, os conflitos podem não ser tão aparentes, mas algumas sutilezas presentes no enredo do filme permeiam a eleição papal. Por exemplo, o banimento de um cardeal que foi forçado a se afastar de suas funções pelo papa desde 2020, a partir de escândalos de corrupção — tal qual o cardeal Tremblay (John Lithgow), que no filme tem seu posto revogado secretamente pouco antes da morte do pontífice, por conta de desvios de dinheiro e propina, mas segue no pleito mesmo assim.

Também apresenta-se como semelhança política a ideia de um “Conclave global”, a partir da inserção de personagens, reais e fictícios, geograficamente diversos. Sendo o primeiro papa nascido fora da Europa, Francisco nomeou cardeais de diversas partes do mundo. Inclusive, alguns cardeais antes considerados favoritos ao Conclave eram filipino – constantemente comparado a Benitez (Carlos Diehz), o cardeal de Cabul que sacode o Conclave fictício do longa com seu discurso progressista e acolhedor – e africano, assim como o cardeal Adeyemi (Lucian Msamati), que no filme desponta como um dos favoritos ao papado antes de se envolver em polêmicas ligadas à castidade.

Diante dos mistérios que permeiam a natureza política papal, os conflitos parecem não ser tão incidentes, mas é provável que haja divisões semelhantes às que são retratadas no filme. As recentes discussões, que tendem a abalar a união política em contexto geral, partiam do pressuposto de eleger um pontífice progressista que daria continuidade ao legado de Papa Francisco, contrapondo-se à ideia conservadora que sempre foi disseminada em ambientes religiosos, para que a Igreja seja capaz de seguir construindo pontes, e não muros – como dizia Papa Francisco.

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O artigo acima foi editado por Sophia Claro.

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Ana Azeredo

Casper Libero '29

Nascida no interior de São Paulo,em uma cidade conhecida pelos bons ares, me mudei para a capital há pouco tempo com o intuito de vivenciar a carreira de jornalista, e sigo como paulistana desde então.
A vida no interior me proporcionou experiências de tranquilidade que eu acredito que sejam inexistentes no local mais sereno de São Paulo, mas o constante movimento de pessoas e informações é estranhamente cativante, me sinto assistindo a uma exposição de arte a céu aberto, talvez circundada por ares demasiadamente poluídos, mas a cultura aqui é, de fato, viva e presente.
O caos e a diversidade da cidade resumem meus maiores interesses profissionais, como política, cultura e entretenimento.
Pessoalmente, a escrita me traz pertencimento e repertório em âmbito social, afinal, a comunicação influencia diretamente na maneira como vemos o mundo e reagimos a ele. Sendo assim, minhas vivências se resumem a diferentes formas de comunicação, como filmes, fotos e músicas que me acolhem e marcam cada momento.
Nas reuniões escolares, meus pais ouviam frases prontas como, "ela é boa, mas fala bastante", tais apontamentos poderiam ter me trazido malefícios, mas hoje em dia, diante da crescente desinformação, querer me comunicar e absorver informações corretamente propicia clareza a uma esfera social, majoritariamente, turva.
Acredito também que o dinamismo presente no diálogo entre escritor e leitor é transformador e nós somos, de fato, metamorfoses ambulantes.