O filme Cyclone estreia nos cinemas no dia 4 de dezembro. Drama brasileiro, dirigido por Flávia Castro e produzido majoritariamente por uma equipe feminina, teve sua pré-estreia no dia 11 de novembro no Theatro Municipal de São Paulo, que também foi cenário de suas gravações.
Idealizado pela atriz Luiza Mariani, que vive a trama como personagem principal, o longa-metragem conta a história de uma jovem operária e dramaturga em busca de sua ascensão no meio artístico. Cyclone conquista uma bolsa de estudos em Paris para estudar teatro, porém, enfrenta uma série de empecilhos que são, em sua maioria, fruto da sociedade misógina de sua época.
Livremente inspirado na vida e carreira de Maria de Lourdes Castro Pontes, escritora do Modernismo brasileiro, a obra resgata a história de uma mulher que os livros apagaram. Conhecida como “Miss Cyclone”, a dramaturga viveu por apenas 19 anos, mas os poucos registros históricos que foram conservados permitiram o conhecimento, ainda que breve, de uma mente brilhante e apagada da história.
O que escapa pelos vãos da história?
Maria de Lourdes teve uma rápida passagem e, por conta de sua saúde debilitada, faleceu com apenas 19 anos. As dificuldades de saúde enfrentadas pela conhecida “Miss Cyclone” se deram, principalmente, pela realização de um aborto clandestino, que teria então sido motivado em razão da conquista de sua bolsa de estudos em Paris. Sua morte precoce interrompeu sua carreira. Felizmente, o audiovisual brasileiro possibilitou a continuidade de sua história.
O filme dispõe de um ótimo enredo e produção, mas que, em alguns aspectos, criou lacunas que desafiam a experiência. A cena final do filme, por exemplo, é um grande ponto significativo que cria um tipo de fuga do entendimento: a cena não evidencia a morte de Cyclone, mas pretende contar o que acontece após o desenrolar dos eventos do clímax. No entanto, se torna um pedaço ambíguo da história, que faz com que o telespectador se questione e, talvez, saia da sala de cinema sem a resposta para uma pergunta essencial sobre o enredo, principalmente quando não se conhece a história real de Maria de Lourdes. Cyclone conseguiu ir para Paris? Como se dá a continuação de sua vida e carreira após ser tão passada pra trás?
Além disso, outro ponto da produção que pode causar estranheza ao público diz respeito aos aspectos técnicos de filmagem, já que o formato da imagem da gravação foge ao usual: um formato que se aproxima do 4:3, enquanto grande parte dos filmes se aproxima do formato 16:9. Em alguns momentos, o formato de gravação compromete a visualização com profundidade do cenário e até mesmo do enredo em questão.
SENSIBILIDADE PELO OLHAR FEMININO
O longa-metragem cria uma ambientação do final da década de 1910 que te transporta de maneira efetiva para a época retratada e reproduz com maestria a estética visual do século XX. A predominância de cores frias cumpre o papel de envolver o telespectador na dureza vivenciada pelas mulheres brasileiras durante o período. Combinadas a um trabalho de câmera propositalmente trêmulo e embaçado, planos mais fechados e proporção quadrada, somos imersos em um Brasil distante em tempo, mas rodeado de feridas que, 106 anos depois, ainda estão presentes no país.
A atuação de Luiza Mariani, que dá vida à protagonista Dayse Castro, é possivelmente uma das partes mais memoráveis do filme. O filme apresenta a história sob uma ótica feminina e dá destaque, sobretudo, às mulheres que fizeram parte da vida dessa mulher tão importante no Brasil, mas que não recebeu reconhecimento durante sua existência.
HISTÓRIA REAL
Maria Lourdes de Castro Alves foi uma das muitas vítimas das complicações de um aborto clandestino, em decorrência de uma gravidez indesejada. Sua história não é a única, tampouco é antiga. As infinitesimais mulheres mortas em uma maca de hospital, após fazer um aborto clandestino, são rostos que evidenciam o projeto secular da misoginia e da supremacia masculina.
106 anos após a morte de Cyclone, o Brasil ainda percorre um caminho íngreme para a descriminalização do aborto, uma questão de saúde pública e emancipação do corpo feminino. Ainda que sejam vistos diversos avanços em políticas de igualdade de gênero, são cada vez mais recorrentes os retrocessos quanto à questão do aborto: um Congresso que busca equiparar o procedimento ao crime de homicídio e que tenta, a todo custo, dificultar o acesso ao aborto, mesmo em casos de estupro.
Nascer mulher é nascer condenada. E o filme Cyclone é, sobretudo neste momento histórico, uma forma de resistência e de luta por direitos reprodutivos e pela libertação feminina do sistema patriarcal.
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O artigo acima foi editado por Clara Rocha.
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