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Culture

Como a literatura erótica é vista no mundo literário

This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Atualmente, o consumo de livros eróticos vem crescendo cada vez mais e observa-se diversas controvérsias relacionadas a esse tipo de literatura. Será mesmo este um gênero literário? Ou será que o que é retratado não condiz com a realidade no sexo? 

É fato que discutir sobre sexo e sexualidade sempre foram tabus presentes na sociedade. Apesar do conservadorismo ainda existir em pleno século XXI, a literatura erótica possui papel em quebrar tais preceitos. 

Mas, um movimento que deveria abrir portas para discussão do sexo, por outro lado, está sendo corrompido por uma onda de ridicularização e desrespeito. 

Qual a diferença entre literatura erótica, literatura pornográfica e gênero jovem adulto?

A coluna “Pornoliterário” do Conversa Cult diz que um livro que apresenta cenas de sexo não o torna necessariamente erótico. Pelo contrário, o mesmo pode ser classificado como literatura erótica, pornográfica ou new adult, causando confusão no leitor sobre qual categoria se encaixaria em cada obra.  

A literatura erótica e pornográfica representa quase o mesmo. Trata-se do compilado de cenas, os elementos descritivos e o linguajar que apresentam diferenças. Enquanto a literatura erótica possui uma abordagem softcore – menos explícita, descritiva e visual – a literatura pornográfica é considerada mais hardcore.

Para o senso comum, o pornográfico é o que ‘mostra tudo’, enquanto o erótico é o ‘velado’. Contudo, para o estudioso do erotismo literário, essa distinção é falsa, moralista.Eliane Robert Moraes. 

Já os livros de categoria young adult ou new adult trazem cenas sexuais detalhadas. Aqui, o erotismo não é o foco principal da trama, pois busca retratar as transições da adolescência para a vida adulta e explorar a introdução do jovem na vida sexual. 

Um retrato da literatura erótica 

O erotismo em obras literárias sempre constituiu grande parte das narrativas de escritores, especialmente entre aqueles que perpetuam ideais progressistas. 

No Brasil temas eróticos já eram explorados nas produções de célebres autores nacionais – como Machado de Assis (As Academias de Sião, Uns Braços) Olavo Bilac (Delírio) Lygia Fagundes Telles (Cereja) e Carlos Drummond de Andrade (Amor Natural).

Mas por que o Brasil não reconhece a própria literatura? Seria esta uma tentativa de esconder a historiografia erótica da sociedade? Gregório de Matos (1639-1696), por exemplo, foi pioneiro da literatura erótica nacional. Conhecido como Boca de Inferno, apenas teve sua edição sem censura no final da década de 1960. 

Embora o movimento Realista (1850-1900) tenha movimentado outras perspectivas sobre o assunto, este ainda não foi bem visto pela elite. Os escritores realistas gostavam de traçar críticas e análises sobre a sociedade da época. A exposição da obscenidade e do adultério presente entre a aristocracia mostrou os segredos daqueles que viviam à base da perfeição. 

Um exemplo é o livro O Crime do Padre Amaro de Eça de Queiroz. Em nenhum momento, a ideia de um padre se apaixonar seria posta em discussão – ou em “O Primo Basílio” e a traição por Luísa. 

E o retrato fiel à realidade se estendeu com o Naturalismo e temas eróticos continuaram a ser falados desde então. A chegada do Modernismo (século XX) destaca Jorge Amado e os livros Gabriela, Cravo e Canela e Dona Flor e seus dois maridos

Apesar de não serem considerados parte da literatura erótica, carregam fragmentos eróticos, os quais pode-se dizer que auxiliaram em produções futuras. 

As questões a serem discutidas são: o que aconteceu com a vasta trajetória de obras eróticas? E por que as representações atuais sofrem mais com o escárnio em comparação ao conservadorismo de antigamente? 

A literatura erótica do século XXI 

Em 2011, a história da literatura erótica mais uma vez sofreria uma transformação. O lançamento de Cinquenta Tons de Cinza da escritora E.L James venderia mais de dez milhões de cópias apenas nas seis primeiras semanas. 

O público feminino, finalmente, estava começando a se sentir seguro em ler romances eróticos de forma pública. Erika Leonard James proporcionou às mulheres uma sensação de independência sobre suas próprias vidas. Não é atoa que atualmente, as mulheres são as que mais consomem literatura erótica. 

A mulher começou a se emancipar, saindo da sombra do homem e buscando o próprio prazer, sem vergonha ou culpa. Esses pesos foram colocados na cabeça dela – Lani Queiroz 

Mas ainda assim, a leitura traz contradições e é uma das mencionadas quando o assunto é a ridicularização deste gênero literário. Por apresentar elementos sadomasoquistas e que fazem parte da cultura do BDSM, há aqueles que pensam que esta foge muito da realidade do sexo. 

Em uma entrevista para o G1, a professora de literatura brasileira da USP e especialista em obras eróticas, Eliane Robert Moraes critica a trilogia de E.L. James. 

Cinquenta Tons de Cinza é um livro que não coloca nenhuma questão nova. Ele não te tira do lugar. Se você pegar um livro da Hilda Hilst ou um poema do Roberto Piva, aquilo mexe com você.

Além de Cinquenta Tons de Cinza, a lista de obras ridicularizadas segue com livros como After e 365 dias. Criticadas, ao invés de colocar a mulher em posição de autonomia sobre seus próprios desejos, a torna mero objeto sexual em uma relação de poder, no qual constitui a trama de toda história.

A profissional sobre o assunto, Eliane, acrescenta: 

Hoje, mais do que nunca, é preciso avaliar a qualidade (estética), pois há muitos textos que só fazem banalizar o erotismo e não acrescentam nada à nossa experiência humana. 

Esta banalização do erotismo contribui para a ideia generalizada sobre obras eróticas que, de fato, fazem menção ao sexo na sua forma nua e crua. 

Logo, a Her Campus decidiu entrevistar Lua Menezes, autora do livro Rio Profano para saber sua experiência com a literatura erótica e sua opinião acerca deste problema. 

Rio Profano traz como protagonista a jovem Mel, que como a própria sinopse diz “entrega-se de corpo inteiro a paixões e seus prazeres”. O objetivo de Lua era dar voz às mulheres por meio da personagem principal: essa dona do seu próprio corpo e desejos. 

O livro teve grande impacto no público leitor de Lua, predominantemente formado por mulheres, com uma obra que não traz apenas sexo, mas experiências pessoais da própria autora. 

E o Rio Profano é assim: é erótico, mas não é só erótico. Então também tem minhas dores, minhas sombras, minhas vulnerabilidades, o que eu tinha vergonha de mostrar, de assumir. – Lua Menezes

Ao citar sobre a polêmica de best-sellers como 50 tons de cinza, a mesma diz que sua criação foge das narrativas clichês com personagens femininas estereotipadas, onde os homens assumem papéis de “tutores sexuais”. 

E por sua vez, critica a obra e fala como a erotização desse tipo de arte é perigoso: a romantização de homens violentos e a distorção da realidade do sexo, e especialmente, da sexualidade da mulher.

Lua ainda julga sobre como escritores homens foram considerados revolucionários ao abordar sobre sexo – enquanto as mulheres não tiveram a mesma visibilidade e reconhecimento na época. E completa, como escritora mulher, seus sentimentos em relação ao seu trabalho:

Então, eu fico muito feliz de poder trazer esse contraponto, de uma literatura erótica que foca na complexidade e na beleza do prazer das mulheres – e da mulher enquanto protagonista, e não só como objeto de desejo, mas sujeita do desejo.

Quando questionada sobre a possibilidade do modo de escrita determinar como o sexo funciona, ela corrigiu dizendo que a palavra “determinar” consideraria forte. Porém, Lua acredita que a escolha da abordagem do escritor influencia os leitores, pois se torna um repertório mental quando as pessoas praticam sexo. 

Acredito demais nesse poder transformador da arte em geral – e daqui da literatura e da escrita – de dar mais possibilidades para esse repertório mental do que o sexo pode ser.

E por fim, ao ser perguntada sobre como lida com críticas – Lua respondeu de maneira tranquila e disse que soube trabalhar com as ofensas durante a trajetória como escritora e especialista em sexualidade positiva. 

“Minha verdade sobre o sexo é que o sexo não diminui ninguém, que o sexo pode ser bonito” finaliza. 

O texto acima foi editado por Ana Luiza Sanfilippo.

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Lari Caitano

Casper Libero '26

Student at Cásper Líbero. As your typical journalist, I can't start my day without a cup of coffee!