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Por Que É Tão Estranho Ver As Crianças De Stranger Things Adultas?

The opinions expressed in this article are the writer’s own and do not reflect the views of Her Campus.
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Com um novo vilão, novos personagens e a promessa de ser mais sombrio do que nunca, o volume 1 da quarta temporada de Stranger Things chegou à Netflix no dia 27 de maio. Depois de três anos, os fãs da série puderam ver, além dos novos episódios, centenas de entrevistas de divulgação e ações publicitárias com o elenco.

Apesar dos vários elementos de terror, de fato, presentes na narrativa, o que parece ter sido mais assustador para o público, nesse retorno, não é nada relacionado ao Mundo Invertido, mas, sim, ao envelhecimento dos atores. Mesmo naturais e inevitáveis, as mudanças de aparência e personalidade de Millie Bobby Brown (Eleven), Sadie Sink (Max), Caleb McLaughlin (Lucas), Gaten Matarazzo (Dustin), Finn Wolfhard (Mike) e Noah Schnapp (Will) renderam longas discussões nas redes sociais e, até mesmo, lamentações por parte de alguns fanáticos.

O que está por trás disso? Por que as mudanças na vida de uma celebridade significam tanto para as pessoas? A fim de compreender melhor esse fenômeno, a Her Campus conversou com Gabriel Inticher Binkowski, psicanalista e professor de Psicologia Clínica na Universidade de São Paulo (USP).

Breve história das celebridades

De acordo com especialistas, celebridades são pessoas cuja fama não está necessariamente atrelada a uma grande realização ou habilidade e, sim, a características individuais e à vida pessoal. O surgimento das celebridades foi acentuado durante a Modernidade, graças, sobretudo, ao Capitalismo e à Indústria Cultural.

Sobre isso, Daniel Boorstin, historiador estadunidense, afirma em seu livro de 1962, The Image: or what happened to the American Dream:

Neste século, particularmente a partir de 1900, parece que descobrimos o processo de como a fama é manufaturada. Agora, pelo menos nos Estados Unidos, da noite para o dia, o nome de um homem pode se transformar em algo familiar. A revolução gráfica subitamente nos deu, entre outras coisas, os meios de fabricação de ser bastante conhecido. Descobrir que nós (os espectadores de televisão, os frequentadores de cinema, os ouvintes de rádio e os leitores de jornais e revistas) e nossos servidores (a televisão, os produtores de rádio, os editores de jornais e revistas, os escritores de publicidade) podemos rapidamente, e de maneira eficiente, conferir fama aos homens, nos leva a equivocadamente considerar que a fama é um atributo da grandeza.”

Relação com as celebridades

Todo mundo já se imaginou sendo melhor amigo de alguma celebridade, mesmo que ela não tenha a mínima noção da sua existência. A relação com os famosos, geralmente, se inicia ainda na infância. Desde pequenas, as crianças são estimuladas pela mídia, pelos pais e pela escola a escolherem ídolos e a se tornarem fãs de algum cantor, ator ou atleta. Isso é considerado importante para a formação de personalidade e caráter. 

Segundo Binkowski, essa presença das celebridades na vida de uma pessoa, desde cedo, está relacionada com um dos muitos papéis que elas exercem na sociedade ocidental. “As celebridades surgem como imagens que oferecem algo. Aparentemente despersonalizadas, essas figuras compõem o ideal de eu. Na Psicanálise, o ideal de eu diz respeito ao conjunto de imagens que nós, indivíduos, recebemos por meio da família, da educação, da religião e da moral. Somos constantemente instigados a alcançar essas imagens e a nos transformar nesse ideal, sob a premissa de que, assim, conseguiremos acessar um tipo de satisfação e de reconhecimento que nós inconscientemente achamos que merecemos. É um processo que atravessa toda a vida, mas que é muito mais flagrante na infância e na adolescência”.

Redes Sociais

Além de ideais e inspirações, as celebridades também podem ser amigas. Com o advento das redes sociais, tornou-se possível acessar a intimidade dessas pessoas, bem como interagir com elas. Esse novo tipo de relação foi chamado de relação parassocial por Horton e Wohl, dois sociólogos estadunidenses. 

As relações parassociais, apesar de unilaterais, aproximam-se muito de uma amizade. Por meio do Instagram, do Twitter e de outras aparições na mídia, as celebridades conversam, dão conselhos e divertem seus seguidores, como se fossem amigas deles, apesar de não o serem realmente. 

Ainda que pareçam um pouco sinistras e bizarras, essas relações são consequências naturais do ambiente midiático atual, como explica o psicanalista. “Neste mundo midiático, nós fazemos de conta que algo é da ordem do real, quando sabemos que não o é. Essa realidade paralela das redes sociais nos permite ter comportamentos que seriam considerados sem sentido e inapropriados na realidade como, por exemplo, questionar o envelhecimento e a vida de uma pessoa que nós nunca vimos na vida.”

Dessa maneira, percebe-se que, desde cedo, e, através principalmente das redes sociais, constrói-se um vínculo emocional de identificação e de proximidade com as celebridades. Assim, os acontecimentos e mudanças de suas vidas tornam-se de interesse público, sendo, curiosamente, por vezes, prejudicial a elas.

O Impacto da Pandemia

Outro fator que pode ter contribuído para esse estranhamento do crescimento dos atores de Stranger Things é a distorção de tempo, causada pela pandemia. A suspensão das atividades presenciais e o isolamento social, aliados ao estresse e instabilidade da situação, fizeram com que muitas pessoas perdessem a noção do tempo.

Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal do ABC (UFABC), em maio de 2020, 65% das pessoas entrevistadas relataram ter sentido a expansão temporal – fenômeno em que as horas demoram mais para passar – durante os primeiros meses da pandemia.

Ainda, Binkowski alerta para outro possível impacto da pandemia. “Durante a pandemia, nós, brasileiros, vivenciamos a morte e a melancolia diariamente. O luto representa, essencialmente, uma perda e uma descontinuidade daquilo que nós considerávamos nossa identidade. A melancolia, por sua vez, é o sentimento decorrente da tentativa de continuar a vida, após uma perda. Nos últimos dois anos, houve uma intensificação de todos esses processos.”  

“Nessas circunstâncias, quando há uma ruptura em relação, até mesmo, ao mundo do entretenimento, que, por ser ideal, muitas vezes, serve de refúgio, a sensação de estranhamento e de perda é exacerbada. São tantas as perdas e mudanças que nós não conseguimos mais sentir e assimilar”, completa o profissional da USP, em depoimento à HC.

Noção de juventude

“Ao longo do século vinte, a noção de juventude foi expandida e transformada  em um nicho mercadológico, em que se vende ideais. Nesse sentido, quando se vê com estranhamento o envelhecimento de atores infantis e juvenis, isso provavelmente se deve a uma quebra de ideal e de continuidade”, explicita o psicanalista.

Como o professor esclarece, a juventude e a adolescência são comumente associadas a uma intensidade de emoções e acontecimentos. Nesse sentido, é compreensível que os fãs de Stranger Things lamentem ao ver os atores menos espontâneos e mais retraídos, uma vez que isso representa uma quebra de continuidade.

Além disso, perceber o envelhecimento dos atores de Stranger Things significa também, para grande parte público, dar-se conta do próprio envelhecimento e da chegada da vida adulta, o que pode ser um pouco traumático. “É uma sensação que se relaciona com o conceito de Estranho de Freud, que, resumidamente, diz respeito àquilo que é, ao mesmo tempo, familiar e incômodo. Stranger Things, inicialmente, nos falou do  meio familiar por meio da nostalgia e, sobretudo, através da alusão à infância e à adolescência, vivenciadas pelos personagens. E, agora, ela nos mostra outra face do familiar, o envelhecimento e com a impossibilidade de driblar o tempo.”

Antes de se despedir em definitivo da quarta temporada de Stranger Things, você pode conferir o Volume 2 na Netflix, a partir do dia primeiro de julho.

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O artigo acima foi editado por Daniela Soares.

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Adriana Peraita

Casper Libero '25

Journalism student at Cásper Líbero. Interested in a lot of subjects :)