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“O Golpista Do Tinder”: Como Os Produtos Cinematográficos Românticos Influenciam Na Nossa Busca Por Um Amor Impossível (E Até Perigoso)?

The opinions expressed in this article are the writer’s own and do not reflect the views of Her Campus.
This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Lançado em 2 de fevereiro de 2022, o documentário original Netflix “O Golpista do Tinder” reúne relatos de três vítimas de Shimon Hayut, que, sob o nome Simon Leviev, passava-se por um magnata do ramo de diamantes e seduzia mulheres por meio do aplicativo de namoro Tinder, apresentando uma vida de luxo para, depois que já tivessem um relacionamento estabelecido, aplicar um golpe.

O Tinder era o local ideal para Shimon executar seus crimes. Em uma era digital, o aplicativo é a forma mais recorrente usada por aqueles que querem encontrar um parceiro romântico, seja para algo mais casual, seja para um relacionamento duradouro. Muitas vezes, seus usuários o enxergam como a última esperança de encontrar um verdadeiro amor, principalmente as usuárias mulheres, que se encantavam com a maneira com que Shimon as tratava e, como bônus, a vida que ele as oferecia. Para suas vítimas, Simon Leviev era um verdadeiro príncipe encantado, imagem fixada na cabeça de mulheres desde pequenas, como um objetivo de vida a ser atingido.

O Príncipe Encantado

“As primeiras lembranças que tenho de amor são da Disney […] A sensação de um príncipe vindo te salvar não sai de você, e acho que, mesmo sabendo que não é real, ainda fica um pouco em você. Acho que todo mundo tem um pouco de esperança, no fundo, de que será tão mágico quanto eles estavam retratando.”

Cecilie Fjellhøy, uma das vítimas do Golpista do Tinder.

Fjellhøy traz seu relato no documentário e assume sua procura por um amor digno de contos de fadas. Por anos, os filmes de princesas Disney seguiram a mesma fórmula: a mocinha, seja ela uma princesa ou não, vive sua vida normalmente até que encontra seu príncipe encantado — bonito, elegante e romântico. Um verdadeiro sonho. Eles se apaixonam à primeira vista, superam os obstáculos, derrotam o vilão e vivem felizes para sempre.

Cinderela de “Cinderela”, Ariel de “A Pequena Sereia”, Bela de “A Bela e a Fera”, Jasmine de “Aladdin”: todas possuem suas próprias histórias, personalidades e ambições, mas são resumidas a princesas que tiveram seu tão desejado “felizes para sempre”, tendo toda sua própria história apagada e resumindo-a ao encontro com um príncipe.

Pelo estereótipo da sociedade, os filmes de princesa sempre foram vistos como “filmes para meninas”. Sendo assim, são as garotinhas que consomem esse tipo de história, são elas que ficam apaixonadas pelos príncipes e são elas que crescem idealizando esse tipo de amor.

Porém, o príncipe encantado não é resumido apenas às animações da Disney. Quando essas mesmas garotinhas crescem, elas são apresentadas a um outro mundo, o dos filmes de romance, outro gênero visto como voltado ao público feminino. Agora, mulheres que já cresceram querendo encontrar seu príncipe encantado, deparam-se com histórias dos mais diversos tipos de amor, seja o impossível, o improvável ou aquele à primeira vista. Isso as faz desejar viver aquelas cenas, imaginando como seria ser parada pelo seu grande amor segundos antes de embarcar em um avião, encontrar o seu verdadeiro amor durante uma viagem de férias, descobrir que ela e seu melhor amigo sempre foram apaixonados um pelo outro, entre outros tantos clichês.

Os filmes de romance ainda têm um público-alvo com uma faixa etária muito mais alta. Se os filmes de princesa, além de serem vistos como para meninas, são considerados “filmes de crianças”, existem filmes de romance para todas as idades, desde “Uma Linda Mulher”, pensado para um público mais velho, até “10 Coisas Que Odeio Em Você”, um clássico clichê adolescente. Ou seja, o que não falta são filmes para mulheres de todas as idades idealizarem um suposto “amor perfeito”.

O Bad Boy

Em cada era, há um novo estereótipo de homem perfeito e, nos últimos anos, o do bad boy se fez muito presente. O famoso “moreno sarcástico com passado triste”, como é comicamente chamado pelos consumidores do gênero, é aquele homem misterioso, musculoso, muitas vezes tatuado, que começa a história querendo distância da protagonista, implicando com ela de diversas maneiras, mas que, ao longo da história, apaixona-se por ela como nunca havia se apaixonado por ninguém antes, demonstrando seus sentimentos e revelando suas fragilidades.

Em alguns casos, o novo clichê funciona bem, porém, mais do que qualquer outro, o bad boy se tornou uma figura perigosa nos filmes e livros românticos. Não são poucas as vezes que esse tipo de personagem apresenta atitudes extremamente violentas, machistas e controladoras, mas que são romantizadas e, até mesmo, perdoadas e justificadas por ele ter uma história de vida triste, fazendo com que suas ações sejam raramente discutidas e problematizadas.

O mais preocupante é que o estereótipo de bad boy aparece, na maioria das vezes, em obras adolescentes, fazendo com que a menina que está consumindo aquele conteúdo veja os comportamentos do interesse romântico da personagem principal como normais, induzindo-as a aceitar os mesmos atos em seus próprios relacionamentos.

Noah Flynn, “A Barraca do Beijo”

No filme “A Barraca do Beijo”, lançado pela plataforma Netflix, em 2018, o personagem Noah tem vários comportamentos manipuladores e agressivos com a protagonista Elle, desde ameaçar todos os garotos da escola para que nenhum saia com ela, até socar o capô do seu carro gritando para ela entrar no veículo.

Hardin Scott, “After”

Lançado em 2019, o filme “After” ainda tenta amenizar as questões problemáticas que o livro de mesmo nome traz, mas, ainda assim, seu protagonista Hardin tem frases e situações problemáticas, que não são discutidas e, ainda por cima, são amenizadas por conta de seu passado triste e traumatizante. Além disso, nos livros, ele tem diálogos com Tessa que incluem falas como esta:

 “Você tem que usar as roupas que valorizem seu corpo, Tessa. Essas escondem todas as suas curvas. Se eu não tivesse visto você de calcinha e sutiã, jamais teria descoberto como é gostosa. Essa saia parece mais um saco de batata”.

Hardin Scott, After.

E a própria Tessa reconhece que o comportamento dele a “deixa maluca”, mas também faz vista grossa e revela esquecer disso em momentos em que ele se mostra vulnerável:

“Na maior parte do tempo, Hardin me deixa maluca, mas em momentos como esse acabo esquecendo o quanto ele pode ser terrível”.

Tessa Young, After.

Massimo Torricelli, “365 Dias”

Por mais que apareçam mais comumente em obras adolescentes, os personagens masculinos problemáticos também são abordados em filmes adultos, como no caso de “365 Dias”, filme lançado pela plataforma Netflix, em 2020. O herdeiro de uma família mafiosa da Sicília, Massimo, tem uma obsessão tão forte pela protagonista Laura que a sequestra e lhe dá 365 dias para se apaixonar por ele. Caso isso não aconteça no período estipulado, ele iria libertá-la.

“Vou me esforçar e fazer de tudo para que você me ame, e, se daqui a um ano, na data do seu aniversário, nada mudar, vou deixá-la ir embora. Isso não é uma proposta, é só uma informação, já que não estou lhe dando uma escolha, apenas estou dizendo como vai ser”.

Massimo Torricelli, 365 Dias.

A história traz questões extremamente problemáticas, porém de maneira romantizada. Inclusive, relativiza-se a Síndrome de Estocolmo — na qual a vítima desenvolve uma paixão pelo seu sequestrador por conta da situação de dependência em que se encontra.

Por mais polêmica e absurda que seja a história, muitas pessoas, principalmente mulheres, a viram como uma história de amor e se apaixonaram por Massimo.

Então a culpa é dos filmes românticos?

Não, filmes de romance não são culpados pela idealização do amor ou da busca pelo amor impossível, mas sim, o papel social que eles desempenham. Ao olhar os outros gêneros cinematográficos, qual é o papel da mulher em seus filmes? Nos filmes de heróis, as mocinhas sempre estavam inseridas nas histórias para serem apenas o interesse romântico do herói — como Mary Jane, nos filmes do Homem Aranha, e Louis Lane, nos do Super Homem. Nos de ação, a mulher é normalmente retratada como a pessoa que vai motivar a jornada perigosa do protagonista, seja pela sua morte ou pelo seu sequestro — como nos recentes “Sem Remorso” ou “O Resgate: O dia de redenção”.

Ou seja, por anos, para onde as mulheres olhassem, sua única representação em tela era ser a mocinha indefesa aguardando que seu príncipe encantado as salve. Essa foi a visão da sociedade sobre as mulheres por muito tempo, e o ciclo era sempre o mesmo: apresentar a elas histórias de romance desde pequenas e alimentá-las ao longo da vida com narrativas nas quais seu papel se resumia a servir um homem — sempre bonito, forte, corajoso e que a amava incondicionalmente. Não há outra maneira, toda essa influência foi imposta, criando um cenário no imaginário feminino de que tudo que a mulher precisa para ser feliz é de um homem que a fará viver um verdadeiro conto de fadas, o que, como analisado em “O Golpista do Tinder”, pode ser realmente perigoso dependendo da influência recebida.

Felizmente, vivemos em uma onda na qual mulheres estão cada vez mais assumindo o protagonismo. Filmes de heroínas estão ganhando as telas, como “Mulher Maravilha” e “Capitã Marvel”. Mulheres começam a ter suas próprias aventuras em filmes de ação, como em “Tomb Raider: A Origem” e “Bumblebee”. Até mesmo filmes de romance estão se aprofundando na vida da protagonista e em seus desejos, para além de suas vidas amorosas, como em “Para Todos Os Garotos Que Já Amei”. Até mesmo os próprios filmes de princesas da Disney seguem essa onda, mostrando mulheres fortes e independentes, seja ainda com um príncipe — como em “A Princesa e o Sapo” — até aquelas sem nenhum tipo de interesse romântico — como em “Moana”.

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O artigo acima foi escrito por Julia Francisco Pujar e editado por Giulia Howard. Gostou desse tipo de conteúdo? Confira Her Campus Cásper Líbero para mais!

Julia Pujar

Casper Libero '21

18 anos Paixão por cultura pop Análises de filmes, livros e séries