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A Loteria dos Amores Interrompidos

This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Ele veio me encontrar. Saiu do trabalho e ficou uma hora na academia, que fica dentro do prédio da empresa. Suado e esbaforido, pegou o primeiro ônibus que passou e mandou uma mensagem avisando que estava a caminho. Apressado, me pediu para que nos encontrássemos na esquina da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Um beijo, abraço e entrelaço de mãos. Era nosso aniversário de dois anos de namoro. Ele me perguntou como foi o meu dia, enquanto me levava para a estação de metrô. Era uma sexta-feira e tínhamos combinado com os pais dele, que moram no interior de Minas Gerais, que dormiríamos na casa deles.

Ele estava nervoso. Suas mãos estavam molhadas e trêmulas, parecia esconder algo. Me guiou no meio do mar de pessoas que ocupavam a transferência da linha verde para a azul do metrô. “Vamos encontrar meus pais no aeroporto”. Achei estranho. Os pais dele não estavam em Minas Gerais? Conforme as estações iam passando, ele parecia mais ansioso. Perguntei se estava passando mal, tive só uma balançada de cabeça negativa como resposta. Chegamos à estação Jabaquara e encontramos os pais dele com cara de quem ganhou na loteria. Eles avisaram que iriam no mesmo avião que nós, pois tiveram que resolver alguns assuntos em São Paulo. Entramos no carro e seguimos em direção ao aeroporto.

Eles estavam contando toda a programação que preparam para quando chegássemos na casa deles. Meu namorado parecia bem animado. Um pouco por ver a família, e outro por eu estar junto. Era muito bom ver a felicidade estampada nos olhos dele. Era tão genuína e sempre me transmitiu muita paz. Ouvi pela vigésima vez a história de criança de quando ele entrou numa loja de construção e fez cocô no vaso exposto. O rosto dele mostrava zero arrependimentos. Acho que ele já tinha se acostumado com a vergonha da história, e eu, com saber exatamente quais palavras os pais dele usariam. De repente, tudo ficou escuro.

Imagem: weheartit.com

Os olhos dele estavam fechados e havia muito sangue escorrendo pela sua cabeça. Quando eles se abriram, eu, ainda desnorteada, vi seu rosto se contorcer, desperado. Ele olhava para o pai, que estava morto. Estava chovendo muito e uma árvore tinha caído em cima do nosso carro. Ele só percebeu quando viu o estado dos pais. Não tinha mais o que fazer. Todos estavam presos, em alguma parte, pelo peso da árvore. Ele me observava, imóvel, mas com os olhos cheios de lágrimas, que caiam misturadas ao sangue. Eu não tinha coragem de olhar para a mãe dele. Talvez nem ele tivesse. O foco dele era nos meus olhos, numa mistura de adeus com amor. As palavras sumiram, assim como todos os planos que fizemos. Tudo o que restou foram corpos, ensanguentados, esperando resgate. Depois de três horas, conseguiram nos tirar de lá. Mortos. Talvez na próxima vida eu consiga saber o motivo de tanta ansiedade, mas, por agora, somos apenas o motivo das lágrimas de nossa família.

Camila Simões

Casper Libero

Estudante de jornalismo apaixonada pela comunicação e a forma como ela estreita as relações entre as pessoas.
Giovanna Pascucci

Casper Libero '22

Estudante de Relações Públicas na Faculdade Cásper Líbero que ama animais e falar sobre séries.