O MET Gala – uma das noites mais esperadas para os amantes da moda – ocorreu na primeira segunda-feira de maio. As mais conhecidas celebridades se uniram junto com Anna Wintour no “Metropolitan Museum” para homenagear uma das personalidades mais desafiadoras e icônicas do mundo da moda, Karl Lagerfeld – que faleceu em 2019. O tema, “Karl Lagerfeld: A Line of Beauty”, gerou controvérsias nas mídias sociais assim que foi anunciado. Por um lado, o estilista foi um dos mais revolucionários dos últimos tempos, com sua forte presença em marcas como Chanel, Chloè e Fendi. Porém, Lagerfeld teve diversos comentários polêmicos ao longo de sua carreira que trouxeram questionamentos a respeito da necessidade de uma homenagem tão grande.
Mas afinal, quem foi Karl Lagerfeld e como os impactos da sua carreira conseguiram ultrapassar suas problemáticas? Conheça mais a respeito desse gênio indomável da moda!
O começo de uma lenda fashion
Karl Lagerfeld nunca revelou muitos detalhes do início de vida, permanecendo uma incógnita até os dias de hoje. Nascido na cidade de Hamburgo, na Alemanha, Lagerfeld mudou-se para Paris – a famosa cidade dos sonhos – para trabalhar com moda, aos 19 anos. Ele aprendeu a desenhar no Lycée Montaigne e se graduou em História e Desenho, porém sua carreira profissional começou apenas em 1954, ano no qual o estilista alemão venceu um concurso promovido pela International Wool Secretariat, levando o prêmio de melhor casaco. Karl dividiu o prêmio com Yves Saint Laurent, com quem passaria a desenvolver uma estranha relação de amizade, parceria e rivalidade.
Após sua vitória, foi imediatamente contratado para ser assistente de Pierre Balmain – um grande nome da alta costura na década de 1950 – onde começou a desenvolver relações com outros estilistas. Em 1958, Lagerfeld tornou-se diretor artístico na Maison Jean Patou – marca de alta costura parisiense. Já em 1966, começou um dos momentos em sua carreira que alavancariam sua reputação, quando se tornou designer da Chloé, onde realizou diversas mudanças estruturais e tornou a marca uma das mais conhecidas do anos 70.
Durante o mesmo período, em 1967, o estilista foi contratado pela Fendi para revitalizar e modernizar sua linha especializada em peles, marca na qual foi responsável pela criação do icônico logotipo de FF invertido. Ele trabalhou em ambas marcas ao mesmo tempo, porém, foi na Fendi que ele se encontrou e permaneceu até o fim da vida, sendo um de seus maiores legados.
Lagerfeld em Chanel
Quase duas décadas após sua entrada na Fendi, o estilista embarcaria na fase mais importante de sua carreira, tornando-se diretor criativo da Chanel em 1983, assim cuidando do prêt-à-porter, alta costura e acessórios da maison de Coco Chanel. Ele foi o sucessor da grande inovadora da marca, então, revitalizou a essência para atrair novos clientes. Lagerfeld deu seu próprio toque aos designs e criou uma personalidade fascinante aos amantes da moda por suas brilhantes ideias. Em entrevista com Laura Wie, criadora do curso “Moda com História” na FAAP e que trabalhou pessoalmente com Lagerfeld, ela contou como Lagerfeld reimaginou a silhueta icônica da Chanel, pois a marca estava no seu maior momento de declínio: “Foi então que ele trouxe a minissaia, o jeans, os tênis, os biquínis e outros itens da moda que sua antecessora não havia incluído em suas coleções – sempre mantendo a identidade reconhecível ‘Chanel’”.
“Poderíamos dizer que sua maior marca foi manter os códigos da ‘Coco’ na nova era Chanel”
– Laura Wie, comunicadora cultural e especialista em História da Moda
Além disso, foi na Chanel que Karl Lagerfeld deu início a uma tendência que traria olhos às suas criações no mundo inteiro. O estilista criava cenários megalomaníacos para os desfiles da marca no Grand Palais, como, por exemplo, um foguete na passarela do Inverno 2018. Um navio em tamanho real na apresentação do Cruise 2018. E também quando transformou a belíssima sala de desfiles em um supermercado no Fashion Week 2014/2015, no qual andou de mãos dadas com Cara Delevigne, uma de suas musas. Lagerfeld tornou-se um ícone da moda com suas golas engomadas, óculos escuros, luvas sem dedo e rabo de cavalo branco. Paralelamente ao seu trabalho na Chanel e na Fendi, o designer criou sua marca homônima.
Em março de 2019, sua última coleção finalizada para a Chanel antes de sua morte foi desfilada, com a temática de ski e esportes da neve. Laura Wie descreveu os desfiles do designer visionário como “os desfiles mais extraordinários da semana de moda”.
Entenda as Polêmicas
Apesar de seus fascinantes designs, Karl Lagerfeld não ficou conhecido apenas pelo seu talento, mas também, pelas frases que muitos consideram icônicas, enquanto outros apontam o caráter duvidoso da personalidade fashion. Desde frases misóginas a gordofóbicas, Lagerfeld não teve limites para expor todas suas linhas de pensamento, de forma que o politicamente correto não estava nas preocupações do estilista alemão. Comentários como: “Se você não quer que suas calças sejam puxadas, não se torne uma modelo! Junte-se a um convento, sempre haverá um lugar para você no convento”, marcaram a carreira de Lagerfeld.
Além disso, ele também admitiu que jamais poderia imaginar um casal de dois homens criando uma criança. Ele acreditava que as mulheres magras eram melhores para as passarelas e não queria mostrar “mulheres mais saudáveis”. Por causa de suas alegações de gordofobia, muitas pessoas aceitaram negativamente o tema do Met Gala. Ele também foi notavelmente contra o movimento #MeToo, que encorajou as mulheres a apresentarem histórias de agressão sexual para ajudar as sobreviventes a se sentirem ouvidas.
Em relação às polêmicas, Wie comentou a respeito de uma curiosidade envolvendo suas falas. A comunicadora e palestrante do curso sobre Coco Chanel contou que Lagerfeld possivelmente falava mal de homens baixos pelo fato dele mesmo não ser alto: “Em meu encontro com ele na Embaixada do Brasil em Paris, ele usou botas com salto (enchimento) interno. Ou seja, não deixa de ser uma retrocrítica”. Laura enfatiza que tais críticas não são justificativas para as falas de Lagerfeld, porém, mostram um pouco dessa sua autocrítica, que, de acordo com ela, “extrapola para outras ‘personagens’”.
Devido às polêmicas do estilista, houve muitas ausências perceptíveis no Met Gala deste ano. Blake Lively e Selena Gomez – que ele ofendeu pessoalmente em um post do Instagram – estão entre os nomes mais notáveis. Embora seja apenas especulação, muitos acreditam que isso se deve à decisão de homenagear Lagerfeld. É possível que a razão pela qual não vimos essas mulheres, que costumam ter looks favoritos dos fãs, seja porque elas não endossam os valores de Lagerfeld. Muitos questionaram como foi possível que um homem tão problemático pudesse alcançar um patamar tão alto no mundo da moda.
Homenagem Merecida?
É inegável que Karl Lagerfeld teve uma importância imensa para o mercado da moda e para a criatividade fashion das últimas décadas. Laura contou que essa importância não se restringe somente à moda, mas também à cultura, sendo um esteta: desenhava, ilustrava, fotografava e escrevia. “Contribuiu ativamente, com a sua criatividade e talento, para a evolução da moda Ocidental e também para outros desdobramentos artísticos e culturais de grande relevância. Assim, surgiu o grande questionamento de que se um homem com tantas polêmicas teria merecido uma homenagem desse patamar como o MET Gala.
“Acredito que a genialidade criativa de Karl Lagerfeld estava acima de polêmicas. Sua carreira não chegou a ser arranhada por questões envolvendo sua opinião. Em primeiro lugar, é importante lembrar que Karl foi um senhor obeso nos anos 90, quando o conheci pela primeira vez, ele claramente entendeu que tinha lugar de fala para criticar pessoas/modelos gordas”, comentou Laura Wie para a Her Campus a respeito das polêmicas de Lagerfeld. Além disso, ela completou dizendo que seus comentários de mau gosto não neutralizam o potencial criativo e de execução de Lagerfeld.
Laura Wie também argumentou que, apesar de serem evidentes as graves polêmicas de Karl Lagerfeld, o designer alemão contribuiu para que a moda e a sociedade ocidentais evoluíssem a partir de criações de moda belas e inteligentes para novas gerações. Além disso, descreveu como o estilista foi leal ao conceito das marcas com que trabalhou – como Chanel e Fendi – colocando esse compromisso acima de suas visões próprias como criador, motivo pelo qual abriu sua própria marca, para ser livre de referências. “Essa atitude é admirável, uma vez que, atualmente, várias grifes têm perdido a sua essência original por conta do trabalho de novos estilistas”.
Quando questionada a respeito da necessidade de uma homenagem para Lagerfeld, argumentou que o tema do MET Gala foi merecido, uma vez que Lagerfeld deixou um legado na arte, moda, literatura e elegância – a cultura da excelência e do belo – que serve de inspiração e pesquisa para a humanidade, especialmente, com uma exposição de tal magnitude como a realizada no Metropolitan. “Não vamos esquecer que todo artista genial tem personalidade excêntrica – assim foi Coco Chanel, que falava barbaridades; Picasso, que teve inúmeras mulheres e nem sempre as tratava com cavalheirismo; Salvador Dali, que se considerava praticamente um deus e outros criadores que não tinham papas na língua”.
Assim, finalizou contando como a sociedade ‘deve’ muito a esses ícones: “e tendo dito isso, se fossemos ‘cancelar’/neutralizar cada um deles por falas infelizes, a Humanidade, como um todo, iria empobrecer culturalmente”.
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O artigo acima foi editado por Mariana Cury. Gosta desse tipo de conteúdo? Confira a página inicial da Her Campus Casper Libero para mais!