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Culture

Female rage: por que livros que retratam a fúria feminina tem feito tanto sucesso entre as leitoras?

This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Uma mulher loira corta seus cabelos diante do espelho em um banheiro de posto de gasolina. Com as mãos enluvadas, Amy abre um pacote de tintura permanente e o joga sobre a cabeça. Fuma enquanto espera o tempo de ação do produto. Em seguida, lava os cabelos recém pigmentados de castanho na pia, tira o excesso de umidade com as folhas de papel e limpa todo e qualquer rastro de sua presença no banheiro. Tudo isto enquanto ela, a protagonista de Garota Exemplar, faz seu monólogo de “Cool Girl” (Garota Legal, em português), explicando as motivações para seus atos. 

O filme, baseado no livro homônimo, se consagrou na indústria do entretenimento como um dos principais exemplos de female rage. O conceito, que significa “fúria feminina” na tradução literal, representa atualmente um tema em ascensão tanto na literatura quanto no cinema. Mas o que ele é exatamente e por que as audiências parecem adorá-lo? 

O QUE CARACTERIZA FEMALE RAGE? (SPOILER A SEGUIR)

Pode-se definir a temática female rage como uma narrativa centrada em uma mulher e seus traumas, perpassando violência, abandono, pobreza e transtornos psicológicos. Ela se encontra furiosa com as circunstâncias de sua vida e é dominada por um desejo de vingança, fazendo com que suas ações moralmente duvidosas sejam decorrentes dessa raiva. 

Assim, “Garota Exemplar” – tanto a obra de Gillian Flynn, quanto o filme – é vista como uma história representativa do tema, já que a protagonista forja sua própria morte e tenta culpar seu marido após ser traída. Apesar da personagem cometer diversos crimes e causar muito sofrimento para sua família, os espectadores torcem por ela, uma vez que compreendem as circunstâncias que a levaram ao seu limite emocional.

POR QUE ESTÃO FAZENDO TANTO SUCESSO? 

Narrativas de female rage movimentam muito dinheiro e audiências por uma fato simples: elas são a versão mais moderna e mais comovente de uma fórmula já consolidada há décadas, principalmente no mundo literário. Histórias de homens que sofrem conflitos traumáticos até desejarem vingança se popularizaram principalmente a partir do século XIX, com o crescimento do realismo. 

Tal movimento literário ficou conhecido por representar personagens de grande complexidade psicológica e fomentar críticas sobre a sociedade da época. Dessa forma, pode-se argumentar que obras como “Crime e Castigo”, de Dostoiévski – que aborda a depravação moral de um estudante de Direito russo após matar uma idosa –, foram precursoras, de certo modo, do que viria a se tornar a temática female rage

Tanto as obras clássicas quanto suas variações mais modernas e recentes recebem grande atenção por terem uma mesma característica semelhante: permitir uma experiência catártica ao espectador. A catarse, termo originado do grego kátharsis, segundo a concepção aristotélica, representa o ato de expurgar, purificar grandes sensações e emoções através da arte teatral.

Assim, ao empatizar com as raivas, injustiças e o desejo de vingança, o espectador experimenta a catarse e torce para que o anti-herói consiga sair por cima da situação, mesmo que as ações retratadas na narrativa sejam moralmente “erradas”. 

Contudo, a evolução de obras realistas para os livros e filmes contemporâneos que expressam a fúria feminina precisa ser compreendida como um processo gradual, requisitado pelo público. Isto porque, historicamente, as mulheres foram relegadas a papéis secundários, como o interesse amoroso. A partir da expansão do movimento feminista pelo mundo e, consequentemente, da independência financeira da mulher, há uma transição na forma como os mercados se preocupam com a mulher enquanto consumidora.

Em 2022, Virginia Hausegger apresentou um TED Talk, em Canberra, na Austrália, sobre sua compreensão de que vivemos atualmente um momento de despertar cultural, no qual as questões da mulher se tornam cada vez mais relevantes. A jornalista e ativista da igualdade de gênero defende que “é um tempo no qual estamos ouvindo e compartilhando histórias de raiva de mulheres; é rico de oportunidade, esperança e possibilidade”

Por fim, pode-se concluir que o sucesso de female rage se dá justamente por conta da indústria editorial e cinematográfica preencher uma demanda econômica. A audiência feminina exige se ver representada em personagens de grande complexidade psicológica, com suas conquistas e dificuldades, enquanto ponto central das narrativas. E, por sua vez, tais histórias desempenham um essencial papel em denunciar as circunstâncias sociais que ainda precisam ser transformadas na vida das mulheres para a construção de um futuro cada vez mais igualitário. 

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O artigo acima foi editado por Fernanda Alves.

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Giulia El Houssami

Casper Libero '26

hi! i’m a future journalist who loves to stay up until the sun rises. usually, i’m learning new interesting things, reading or writing.