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Culture

“Eu escrevo o que gostaria de ter lido”, diz ilustradora e quadrinista Helena Cunha

This article is written by a student writer from the Her Campus at Casper Libero chapter.

Existe uma certa magia na literatura – principalmente quando as histórias que lemos ressoam conosco e com o mundo à nossa volta. Uma das formas mais fáceis de entendermos nosso lugar, nosso valor e nossa existência (seja ela política ou social), é através de personagens como as vistas em ‘Boa Sorte’, graphic novel de estreia da ilustradora e quadrinista brasileira Helena Cunha.

No livro, de maneira sensível e emocionante, Helena conta a história de Julieta, uma adolescente que vê a vida desmoronar após a morte da irmã mais velha. Por meio do traço original e incisivo da autora, acompanhamos as fases do luto da protagonista, como também experienciamos outros sentimentos naturais e verdadeiros da juventude.

A ambientação é sublime e, junto com as divisões sazonais ao longo da narrativa, somos transportados para os momentos de tristeza e de transformação. A representatividade LGBTQIA+ também foi feita com esmero, retratando as crises e descobertas de Julieta da maneira mais cuidadosa e relacionável possível.

No cenário nacional, a HQ de Helena é um marco de esperança, não apenas para a arte brasileira mas também para a literatura independente do país. Sem o amparo de uma editora tradicional, a autora trabalhou e se dedicou em todos os – árduos – processos para a publicação de ‘Boa Sorte’.

Abaixo, confira um bate-papo exclusivo com a Helena, em que ela fala sobre a criação da graphic novel, suas Inspirações e dificuldades.

De onde veio a ideia de criar uma HQ? Escrever um livro sempre foi algo que você quis fazer?

Eu sempre quis contar histórias e sempre gostei de desenhar, mas demorei um bom tempo para juntar as duas coisas. Eu me formei em cinema e sempre gostei mais do roteiro e do planejamento do que das filmagens, que eram sempre muito agitadas para mim. Eu preferia ficar no meu canto desenhando os storyboards e assim que eu comecei a me interessar por quadrinhos.

Eu adoro esse processo de transformar um texto em algo visual, de pensar nas melhores imagens para contar uma história.

Helena Cunha

Para a história, a temática e os personagens: de onde veio a inspiração?

Foi do documentário Elena, da Petra Costa. Da primeira vez que assisti, fiquei encantada com a estética e a forma que ela abordou a perda da irmã e esse tema não saiu da minha cabeça, a perda de alguém tão próximo, com quase exatamente as mesmas raízes e ambiente que você. Eu sou filha única, então a relação entre irmãos sempre me interessou muito.

Quais são seus autores favoritos de graphic novels e suas principais referências na arte?

Meus autores favoritos são Simon Hanselmann, Bruna Maia (estarmorta), Craig Thompson e David Small. As minhas referências principais acredito que venham do cinema, os filmes do Wes Anderson, Os Incompreendidos do Truffaut e aquele filme da sessão da tarde onde uns garotos vão procurar um corpo, Conta Comigo.

Você sempre soube que daria visibilidade e teria protagonistas LGBTQIAP+?

Sim, porque eu faço parte desse grupo e cresci sentindo falta de representatividade. Hoje eu escrevo o que gostaria de ter lido.

Na sua opinião, qual a importância de contar histórias como “Boa Sorte” no Brasil?

Eu acho muito importante que as pessoas se vejam representadas em situações diversas, principalmente em obras voltadas aos jovens, pois é uma idade repleta de incerteza e questionamentos e muitas vezes o jovem LGBTQIAP+ não convive com alguém desse grupo ou ainda não se sente confortável para falar sobre o assunto. Além de serem importantes para que as pessoas saibam que não estão sozinhas, as histórias têm o poder criar empatia e facilitar o entendimento por parte de quem não faz parte desse grupo.

Como foi para você criar a Julieta? Emocional e visualmente falando.

Foi um processo bem longo, que eu parei e retomei muitas vezes ao longo dos anos. Emocionalmente eu diria que ela amadureceu um pouco junto comigo. Nas primeiras versões ela era mais focada na própria raiva e no sentimento de injustiça e de buscar por uma solução. Conforme eu fui trabalhando na história, entendi que ela precisava se enxergar como parte de toda aquela situação e, por mais que não tivesse nenhum controle sobre a perda da irmã, as ações dela ainda importavam em todas as outras áreas da vida. Ela precisou se tornar mais generosa em enxergar o sofrimento dos outros, especialmente o da sua mãe, e entender que todos estavam fazendo o melhor que podiam, mesmo que não fosse o suficiente. Visualmente eu quis que a Julieta fosse parecida com a irmã para reforçar a importância da Laura na identidade dela.

Quais foram os seus primeiros passos para desenvolver essa história – visualmente falando?

Meu primeiro passo é ficar desenhando os personagens muitas vezes para ir amadurecendo-os. Esse ato me ajuda a pensar em como eles são e como eu posso incorporar essas características ao visual deles.

Você fez sozinha todos os processos para dar vida ao livro “Boa Sorte”. Sei como é árduo o trabalho literário num país como o nosso, então quais foram seus principais desafios nessa trajetória?

Para mim as maiores dificuldades estão na divulgação e na distribuição do livro. Como autora independente eu cuido de todas as etapas, desde a comunicação com os leitores até o envio pelos Correios, passando pelo planejamento financeiro, embalagem, estoque, parcerias… São muitas funções e são todas muito diferentes entre si, então é desafiador estar sempre passando de uma para a outra.

Alguns fãs veem diversas similaridades e, por carinho, falam que você é “Alice Oseman brasileira”. Você pensa em dar continuidade na história de Julieta e Erica?

Eu admiro muito o trabalho da Alice Oseman, quem me dera! Eu penso sim em dar continuidade à história delas. O próximo livro se passa alguns anos depois e é mais focado na Erica e na relação dela com o pai e essa necessidade que muitos jovens LGBTQIAP+ têm de sair da cidadezinha onde cresceram para poderem viver mais livremente e o custo dessa vida dupla para a relação dela com a Julieta, que por sua vez se sentiu acolhida pela cidadezinha e tem medo de se afastar da mãe.

O livro fala sobre um assunto bastante sensível enquanto seguimos a Julieta lidando com o que aconteceu com a Laura. Como foi pra você abordar este tópico e quais foram seus principais cuidados?

Minha maior preocupação foi ser cuidadosa e empática ao tratar do suicídio da Laura. Eu queria que ela fosse vista pelos olhos amorosos da Julieta e ao mesmo tempo deixar claro o impacto negativo da atitude dela. Meu maior cuidado foi não apontar uma causa específica para o suicídio, tanto para não parecer que determinada situação justificaria o ato quanto para não apontar culpados. A Laura sofria de depressão, assim como a mãe. Ponto. É uma doença que carrega muito estigma e muitas vezes a vítima é considerada culpada e eu não queria fazer coro a isso, eu queria mostrar a falta que a Laura nem imaginou que faria.

Como você enxerga atualmente o mercado de autores e ilustradores, artistas de HQs, no Brasil?

Acho que está cada vez maior e mais diverso. As redes sociais possibilitaram que autores independentes expusessem seu trabalho e entrassem em contato com o público sem o intermédio das editoras, que acaba sendo um gargalo enorme. Claro que ainda há muito o que melhorar, como o preconceito de alguns leitores com a arte nacional e a disparidade entre a quantidade de eventos no eixo Rio – São Paulo e o restante do país, mas acredito que estejamos caminhando para um mercado mais saudável.

Quais são seus planos para o futuro? Já tem alguma outra história em produção?

Estou trabalhando na próxima história, que se passa alguns anos depois na cidadezinha e tem alguns dos mesmos personagens de Boa Sorte, apesar de não ser exatamente uma continuação.

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‘Boa Sorte’ está disponível no formato físico e digital.

Entre no site da Helena Cunha para conferir outros produtos e ficar antenado nas novidades: www.helenacunhas.com.br

Siga a autora no Instagram: @helenacunhas

cuore in allarme journalist, writer, artist and everything else in between ✉ laurapferrazzano@gmail.com