Em 1992, o Tratado de Maastricht mostrou-se um marco de integração das nações europeias com as demais, garantindo cidadania para todos que manifestassem o desejo de estabelecer residência fixa nos países membros da União Europeia (UE). Partindo de um discurso oposto, o governo de Portugal anunciou, em 03 de junho de 2024, a aprovação do “Plano de Ação para as Migrações“. Com essa medida, a regularização de imigrantes no país será limitada.
O que é o “Plano de Ação para as Migrações”?
A nova política imigratória, aprovada pelo presidente de Portugal, Marcelo Rebelo Souza, abrange 41 medidas que irão modificar a dinâmica de aquisição de cidadania no país. Tal proposta visa acabar com a “manifestação de interesse” existente nos países integrantes da UE, do qual a primeira etapa do percurso é permitir a livre circulação de pessoas nesses territórios.
As novas medidas definem que somente podem fazer o pedido à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) somente aqueles que tiverem um contrato de trabalho firmado ou apresentarem a intenção de estudar nas instituições de ensino superior do país. Luís Montenegro, primeiro-ministro da nação, afirmou: “Queremos terminar com alguns mecanismos que se transformaram num abuso excessivo da nossa disponibilidade para acolher”.
Ainda que as restrições dificultem a tramitação de processos para as demais nações, a preservação dos laços lusófonos entre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) se manterá intacta, visto que estes não serão afetados pelas novas mudanças. No entanto, a decisão passa a valer apenas para as solicitações feitas a partir do anúncio, sem prejudicar os processos que já estavam em andamento.
Anteriormente à proposta, a regularização de pessoas em território português seguia a tendência dos pedidos de “manifestação de interesse” observados nas demais nações europeias, os quais são realizados por turistas quando estes já estão localizados nos países. Após a chegada, os interessados devem pagar um ano de previdência social para que seus documentos sejam validados.
impacto das mudanças em portugal
Os benefícios da promoção de uma integração humanista propostos no documento de defesa do tema mostram-se contraditórios, considerando que os procedimentos irão contribuir para a segregação de indivíduos com qualificação inferior, intensificando as desigualdades socioeconômicas. Por meio da exclusão destes grupos, grande parte dos deslocados que buscam melhorias na qualidade de vida, estarão isentos da oferta de empregos e auxílios governamentais – como sistema de saúde e educação.
Contudo, o debate acerca das habilidades trabalhistas torna-se secundário em relação ao panorama de segurança social. A obrigatoriedade de um contrato de trabalho prévio exigida no “Plano de Ação para as Migrações” é temida por especialistas, visto que a redução de rotas imigratórias legalizadas pode contribuir para aumentar a rede de tráfico humano internacional.
Em entrevista à CNN Portugal, o antropólogo e investigador na área de migrações, José Mapril, afirmou que “as medidas de restrição às migrações tendem a não impedir as pessoas de entrar, antes a fazê-lo em situações mais vulneráveis e precárias”.
O estabelecimento das novas normas de documentação foi decretado com o objetivo de diminuir a demanda sofrida pelo AIMA. A situação atual do órgão é de 400 mil processos pendentes, desde a centralização dos pedidos em outubro de 2023, sendo que sua capacidade semanal se restringe à avaliação de apenas 2,5 mil requerimentos.
contexto político do projeto
A aprovação realizada pelo Conselho de Ministros de Portugal mostrou-se uma resposta ao avanço da extrema direita no país, como o fortalecimento dos partidos Chega e Aliança Democrática – liderado pelo primeiro-ministro Luís Montenegro -, responsáveis pela propagação de discursos anti-imigração. Segundo dados da polícia portuguesa, os casos de xenofobia aumentaram 38% no país em 2023, mesmo ano da ascensão de partidos ultranacionalistas.
De acordo com o Relatório Mundial sobre Imigração de 2024, este ano foi marcado pelo número recorde de imigrações no contexto internacional, contando com um total de 281 milhões de migrantes. Segundo dados desse levantamento, do total de deslocamentos intranacionais, 117 milhões foram causados devido a guerras, à fome e a desastres ambientais.
A instabilidade geopolítica causada por conflitos armados, como as guerras entre Palestina e Israel, além de Ucrânia e Rússia, contribuíram para agravar as condições precárias de grande parte da população, pois a disparada nos preços dos alimentos e bens de consumo, aliados à necessidade de condições de vida melhores, culminaram no aumento exponencial dos deslocamentos.
Ademais, é preciso compreender que a crise climática moldou parte desse cenário, em função de parte dos imigrantes serem refugiados ambientais – indivíduos forçados a deixarem seus países de origem por ações de catástrofes naturais. De acordo com dados divulgados pela ACNUR, em 2022, 60% dos casos de imigração abrangiam refugiados climáticos.
No entanto, é válido ressaltar que estas travessias não se fazem de maneira segura. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), rotas imigratórias clandestinas causaram 8.565 mortes, situação que pode ser agravada com o tráfico ilegal de pessoas incentivado pela nova política de Portugal, como citado previamente.
medidas da ue
Há algumas décadas, a Europa vinha sendo palco do fenômeno de diminuição de mão-de-obra por conta do envelhecimento populacional, porém a situação agravou-se após a pandemia de Covid-19. Com isso, os países membros do bloco europeu passaram a praticar a atração de pessoas para o preenchimento de cargos laborais, ainda que seguindo a dinâmica de exigência de curso superior, como adotada recentemente por Portugal.
Por meio do acordo de ajuda mútua entre as nações, estas concordaram em distribuir proporcionalmente os indivíduos com cartão azul – documento que permite a entrada legal no continente Europeu- entre todos os países, visto que os principais destinos de imigrantes são a França e a Alemanha, sobrecarregando as redes de apoio e sistemas públicos destes locais.
Contudo, as tentativas de hospitalidade podem ser afetas pelo avanço da extrema direita, principalmente após estes grupos extremamente conservadores conquistarem um número recorde de cadeiras com as eleições para o Parlamento Europeu, em 2024. A ação destes políticos na disseminação de discursos de ódio e notícias falsas sobre imigrantes – como a ocupação de cargos de trabalho e apropriação dos sistemas de saúde – podem acarretar na inflamação do nacionalismo exacerbado e sentimentos anti-imigratórios.
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O artigo acima foi editado por Maria Cecília Dallal.
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