Jessica Jones provavelmente não gostaria do título da matéria. Ela não se considera uma heroína e nem quer ser uma. Desde a primeira temporada, a mulher superforte que pode dar pulos muito altos não se encaixa no perfil padrão das heroínas: com sua calça jeans, camiseta, jaqueta de couro e botas, Jessica Jones foge dos estereótipos femininos que se agarram a uniformes justos e comportamentos delicados. E talvez seja essa a sua força para ter estreado a segunda temporada no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Quantas de nós não usamos calça e camiseta no dia-a-dia?
Em 2015, a Netflix disponibilizou 13 episódios em sua plataforma para contar a história de Jessica (Krysten Ritter), uma mulher forte fisicamente, mas extremamente abalada do ponto de vista emocional. Com uma garrafa de whisky sempre por perto e um arsenal de respostas curtas e grossas, a personagem vive em constante conflito entre seu passado com o vilão Kilgrave (David Tennant) e sua tentativa de viver o presente como investigadora particular.
Só que Kilgrave é mais do que antagonista: seu superpoder é controlar mentes. Sádico e psicopata, o Homem-Púrpura consegue tudo o que quer e se torna um arquétipo sobrenaturalmente maximizado do homem abusador, narcisista e que não saber lidar com a frustração de não conseguir o que quer. E é por isso que esse vilão dá medo: Jessica Jones namorou um homem que a estuprava e a controlava – algo que, infelizmente, pode acontecer com qualquer mulher. O relacionamento abusivo não está apenas na ficção.
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Jessica sofre de estresse pós-traumático e a volta de Kilgrave – que ela acreditava estar morto – revela a fragilidade humana da heroína. Diferente dos super-heróis que superam dificuldades com determinação e vencem o mal de qualquer maneira, a série da Netflix faz o mesmo que os quadrinhos Alias – de onde a personagem Jessica Jones surgiu – e subverte o roteiro padrão. Ela não é alguém com superpoderes que está disposta a ajudar todos ao seu redor. Antes de tudo, ela tenta ajudar a si mesma, muitas vezes sem muito sucesso. Jessica se afasta das pessoas por não conseguir manter relacionamentos saudáveis e vive em volta de muita culpa e ressentimento.
Conflitante, a primeira temporada termina com uma mulher que se desvincula de seu abusador e não permite que ele controle mais ninguém. Mesmo com o Homem-Púrpura morto, a segunda temporada de Jessica Jones começa a investigar outro passado da personagem: o acidente de carro que matou sua família e a origem de seus superpoderes. Todos os personagens possuem dramas internos e Jessica torna-se uma personagem ainda mais complexa.
Desde o início, a série possui um pé mais próximo da realidade, apesar de todos os poderes e acontecimentos extraordinários que envolvem os personagens. Porém, a segunda temporada traz de volta a mãe de Jones – uma mulher que não consegue controlar seu emocional e mata sem arrependimento quem a incomoda.
Alisa Jones (Janet McTeer) e a amiga de Jessica, Trish Walker (Rachael Taylor), trazem novas nuances para a trama psicológica – que sempre foi um ponto forte na série. A relação difícil com a mãe e a fixação da amiga-irmã Trish com os experimentos da IGH esbarram em relações tóxicas e, até mesmo, perigosas. Tentando ajudar a mãe presa, Jessica mata acidentalmente um homem.
A solução está na voz de Kilgrave em sua mente: “faça parecer um suicídio”. E é assim que a heroína acoberta seu próprio crime. A situação cria uma avalanche de pensamentos e alucinações com o ex-vilão, que passa a fazer o papel da consciência atormentada de Jessica. Tudo volta para um grande conflito: seria Jessica uma assassina?
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A série coloca a personagem em questões delicadas, até mesmo do ponto de vista moral. Os problemas do dia-a-dia de Jessica são pesados e não há glamour em seus poderes. A última cena da temporada mostra a heroína seguindo sua vida: jogando garrafas de whisky na cabeça de ladrões e tentando criar alguns laços afetivos, como é o caso do novo zelador Oscar (J.R. Ramirez). Mas continua difícil ser Jessica e a reflexão que passa pela mente é: ter superpoderes é uma vantagem ou pode se tornar um fardo?
A segunda temporada firma o protagonismo de Jessica Jones e das personagens femininas fortes que atravessam sua história: ela é uma mulher poderosa, pouco preocupada em agradar os outros e está no protagonismo da trama. Jessica Jones não é uma boneca de porcelana e, muito menos, uma coadjuvante. Por isso, a (anti-) heroína gera certo tipo de identificação e simpatia. Mas uma mulher não gostaria de passar por tudo o que Jones passou. Uma mulher tem medo de ser mais uma Jessica na sociedade.
Como muitas, ela esteve rodeada de violência disfarçada de amor. Mesmo assim, se afasta do medo e usa sua força para adentrar em um universo psicológico cada vez mais complicado que permeia seu passado. E com muitos palavrões e pouca paciência, Jones chega em 2018 como uma personagem amadurecida e com camadas ainda mais profundas, assim como todo ser humano.
Ou não? Queria Jessica ser tão humana quanto nós? Na verdade, não precisa. Jones é a super-heroína mais humana e verdadeira da Marvel. Em algum ponto, ela é como nós, cheia de problemas e conflitos no meio de dias bons. A heroína que talvez não queremos ser iguais, mas que nós admiramos.